
A matemática é ciência?

Um detalhe interessante é que o corpo dos participantes ficou com mais retenção de líquidos, provavelmente devido ao excesso de açúcar e poderia ter sido influenciado pelo excesso de peso ou volume corporal.
Mas aí você pode estar pensando: "Ah, mas eu como miojo e biscoitos todos os dias e não engordo". Ok, mas o peso na balança não é a única coisa que importa.
A maioria desses produtos tem efeito inflamatório, aumenta a resistência à insulina, desorganizam a flora intestinal e, com o tempo, aumentam o risco de diabete, hipertensão, doenças do coração e até alguns tipos de câncer. Isso tudo pode acontecer mesmo sem a pessoa ganhar peso. O corpo sofre em silêncio. Nem sempre as consequências podem chegar na hora, mas depois dos 30 anos ou 40 anos a conta pode chegar.
Existem pessoas que acham que a luta contra os ultraprocessados é coisa de quem quer fazer dieta ou ficar no estilo fitness. Grande engano, essa situação é sobre saúde pública, qualidade de vida e até justiça social. Alimentos ultraprocessados são mais baratos, mais acessíveis e mais "vendidos" para quem tem menos dinheiro e menos tempo. Enquanto isso, cozinhar em casa virou luxo, fazer feira virou privilégio, e o que sobra na prateleira do mercado é para quem tem só uns trocados e é justamente o que mais adoece. O estudo mostra que preparar uma dieta natural custa bem mais caro que uma baseada em ultraprocessados. Isso sem contar o tempo para cozinhar, o gás, a louça, o transporte até a feira, ou seja, vivemos num sistema que empurra a população para comida que engorda, adoece e ainda gera lucro para indústrias.
Mas o que podemos fazer? A resposta parece ser simples, mas não é fácil. Comer menos ultraprocessados e mais comida de verdade, mas isso só será possível se houver mudança em vários níveis, como na educação, na política, na indústria, nos rótulos, na propaganda, no acesso à alimentação de qualidade. Enquanto isso é tentar cozinhar um pouco mais em casa, ler rótulos e evitar ingredientes que não conhecemos, trocar salgadinhos por uma fruta ou castanha, fazer feira ao invés de supermercado, quando possível, e sempre questionar comida ruim e mais barata.
A realidade é que a indústria não se preocupa com nossa saúde, eles querem na maioria das vezes só lucrar. Os alimentos ultraprocessados não foram feitos para nutrir ninguém, eles foram feitos para dar lucro, quanto mais você come, melhor para quem os vende. Eles são projetados para serem irresistíveis, b ratos, duráveis e práticos. Mas tudo isso tem um preço: a nossa saúde. O estudo que descrevi é mais um sinal e alerta, uma confirmação científica do que muitos já sentia: comida industrializada nos adoece.
Sempre que alguém me pergunta sobre a natureza da verdade, gosto de dividir essa questão em categorias específicas. Como sou da área de exatas, meu olhar recai especialmente sobre a matemática — não apenas como uma ferramenta, mas como uma linguagem peculiar, com características únicas em nosso entendimento do mundo.
Grande parte do que faço é, no fundo, matemática. Provo teoremas. E a matemática sempre ocupou um lugar um tanto desconfortável na nossa cultura, inclusive dentro da própria ciência. Por um lado, ela é frequentemente tratada como o único conhecimento absolutamente certo, talvez a única certeza além da nossa própria existência. Por outro, ela parece não vir de lugar algum no mundo físico. De onde, então, a matemática realmente surge?
Muitas tentativas foram feitas ao longo da história para trazer a matemática de volta à realidade física. Alguns dizem que a verdade matemática é apenas uma generalização das observações do mundo. Por exemplo, quando afirmamos que 2 + 2 = 4, estaríamos apenas reproduzindo a experiência acumulada de nossos ancestrais, que colocavam duas pedras ao lado de outras duas e viam quatro.
Mas esse argumento desmorona facilmente. Imagine que alguém colocasse duas pedras ao lado de outras duas e visse cinco. A reação imediata não seria concluir que 2 + 2 deixou de ser quatro, mas sim pensar em mil outras possibilidades: as pedras se dividiram? Alguém adicionou outra? Estou alucinando? O ponto é: nossa crença em 2 + 2 = 4 não depende do que vemos. Vem de outro lugar.
Às vezes, ouve-se que a matemática é uma construção puramente cultural. Mas isso também não se sustenta. Vi uma vez uma reprodução de um manuscrito japonês do ano 900 com uma demonstração da fórmula da área do círculo: A = πr². Não sei ler japonês moderno, muito menos o antigo, mas bastaram os diagramas para eu compreender perfeitamente a prova, a mesma que eu mesmo daria. Isso mostra que a matemática possui uma universalidade que atravessa culturas, línguas e épocas.
E não para por aí. Se um dia encontrássemos uma civilização alienígena, seria difícil imaginar que discordariam da afirmação de que 13 é um número primo. Eles poderiam usar uma terminologia diferente, mas depois de alinharmos os conceitos, teríamos que concordar sobre certas verdades.
Há também quem diga que verdades matemáticas são apenas convenções linguísticas. Um exemplo clássico é a ideia de que "todo homem solteiro é um não casado" — uma definição embutida na linguagem. No entanto, temos teoremas matemáticos que não são nada óbvios. Muitos deles foram conjecturados séculos antes de serem provados, como o famoso Último Teorema de Fermat. Eles têm todas as características de uma descoberta, não de uma convenção.
Minha visão é que a matemática possui uma autonomia própria. É uma forma de conhecimento distinta de todas as outras, mas que é acessível à razão humana. Ainda assim, há críticos da ideia de que verdades matemáticas são absolutas, e muitos acreditam ter um argumento definitivo: o Teorema da Incompletude de Gödel.
Esse teorema diz, essencialmente, que qualquer sistema formal suficientemente robusto — como a aritmética de Peano ou a teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel — não consegue provar todas as verdades sobre aritmética que são, de fato, verdadeiras. Mais ainda, ele não consegue provar a sua própria consistência.
Podemos tentar contornar isso acrescentando um novo axioma que afirma a consistência do sistema original. Mas, com isso, criamos um novo sistema que, por sua vez, também não consegue provar a própria consistência. Isso nos leva a um ciclo sem fim. Gödel demonstrou que nenhum conjunto de axiomas pode conter todas as verdades da aritmética. Não há um único sistema formal que esgote completamente o que é verdadeiro.
Muitos interpretam isso como prova de que a verdade matemática é relativa. Mas, curiosamente, o próprio Gödel pensava exatamente o contrário. Ele era um platonista convicto, acreditava em um reino absoluto de verdades matemáticas. E seu teorema, para ele, fortalecia essa visão, ao mostrar que esse reino não pode ser reduzido a um simples jogo de símbolos.
Os enunciados analisados por Gödel são, muitas vezes, proposições que não podem ser provadas ou refutadas dentro de um sistema formal, mas podem ser demonstradas em outro. Mesmo assim, temos razões para acreditar que são verdadeiras, justamente porque, ao adotarmos os axiomas de um sistema, assumimos que eles são consistentes.
E mesmo se um dia alguém provasse que os axiomas da teoria dos conjuntos são inconsistentes, isso não invalidaria o fato de que 2 + 2 = 4. Isso só significaria que precisaríamos de melhores axiomas. A verdade matemática, nesse sentido, está além dos sistemas que usamos para prová-la. Os inteiros, por exemplo, têm uma realidade independente daquilo que conseguimos formalmente demonstrar.
É claro que nem toda questão matemática carrega esse peso de objetividade. Existem perguntas muito mais complexas, como a hipótese do contínuo — que investiga se há um tipo de infinito entre os números inteiros e os reais. Foi provado que essa hipótese é independente dos axiomas da teoria dos conjuntos. Nesse caso, faz sentido imaginar que não exista uma verdade objetiva. Você pode escolher aceitá-la ou não, e nenhum paradoxo resultará disso.
Mas em relação às verdades aritméticas, não consigo aceitar a ideia de que não há objetividade. Se não sabemos com certeza o que significa dizer que "2 + 2 = 4", ou que "este número é primo", então como podemos sequer afirmar que uma proposição é provável ou improvável? Isso nos levaria a um labirinto sem saída.
Se você duvida da validade absoluta das verdades da aritmética, talvez nada mais faça sentido. Porque se nem isso for verdadeiro de maneira inequívoca, então o que seria? Fica aí uma boa reflexão.
Sabe aquelas decisões morais que parecem simples, mas, quando olhamos de perto, viram um nó na cabeça? Tipo escolher entre salvar uma pessoa na qual gostamos ou cinco desconhecidas? Pois é, eu sempre achei que essas questões eram sobre sentimento, empatia, caráter. Mas aí me deparei com uma ideia que me virou do avesso: usar matemática para resolver dilemas morais.
Num primeiro momento, parece frio demais, não é? Reduzir a vida de alguém a uma equação? Mas, conforme fui entendendo melhor essa tal de “matemática moral”, percebi que ela não vem para substituir a ética, e sim para dar um empurrãozinho onde nossa intuição costuma falhar.
Imagina uma pessoa num lago, com salva-vidas de cada lado. De um lado, cinco pessoas se afogando. Do outro, uma. A pessoa que você conhece há muito tempo. Para a maioria das pessoas poderia ser salvar cinco pessoas. Simples? Nem tanto. Esse exemplo é só uma pontinha do iceberg.
A matemática moral entra aí para mostrar que, às vezes, decisões morais envolvem mais do que o “instinto de fazer o bem”. Ela ajuda a quantificar, comparar, prever consequências. Não para desumanizar, mas para evitar decisões ruins baseadas em emoções confusas ou cenários mal calculados.
Tem umas armadilhas morais que todos nós podemos cair sem perceber. Por exemplo, tem gente que acha que é melhor se juntar a um grupo que já está ajudando centenas do que agir sozinho e salvar dez pessoas. Parece louvável, mas e se sua ajuda nem fizer diferença naquele grupo? Talvez salvar os dez sozinho fosse melhor.
Outro erro comum é ignorar chances pequenas. Vivemos desprezando eventos improváveis, tipo ganhar na loteria ou fazer a diferença numa eleição. Mas se a consequência for grande o suficiente, até uma chance minúscula merece atenção. Como votar, por exemplo. Pode parecer insignificante, mas se muita gente pensar assim...
Uma parte que me pegou foi sobre efeitos imperceptíveis. Tipo: se mil pessoas jogam uma gota d’água cada para ajudar soldados feridos, o resultado coletivo pode salvar vidas. Mas se essas mesmas mil pessoas derem um microchoque em alguém, o acúmulo pode matar. Aí entra a questão do todo versus a parte — o impacto individual pode parecer nulo, mas somado, vira uma avalanche.
É como quando jogam lixo na rua. “Ah, é só um papelzinho.” Mas se todo mundo pensar assim, pronto: cidade imunda.
Tem uma história que me fez pensar: na Segunda Guerra Mundial, os aliados usavam um computador analógico (o Norden Bombsight) para lançar bombas com precisão. O problema é que ele era tão sensível que qualquer diferença mínima nos dados mudava o resultado. Era preciso demais, a ponto de ser impraticável.
A moral da história? A matemática moral tem que ser sensível às circunstâncias, mas não tanto a ponto de travar. Tem que ser prática. Tem que funcionar no mundo real, onde tudo é cheio de incertezas.
Um exemplo engraçado (e bizarro) foi sobre a “pessoa de Boltzmann” — uma ideia da física que diz que, teoricamente, partículas poderiam se reorganizar sozinhas e virar uma pessoa viva, do nada. A chance disso acontecer é tão ridícula que ninguém dirige devagar para evitar atropelar uma pessoa que apareceu do nada no ar.
Por outro lado, atropelar um pedestre normal, que pode atravessar a rua de verdade, é uma possibilidade real. Então faz sentido dirigir com cuidado e não por medo de algo improvável, mas porque a chance, mesmo pequena, é concreta.
A vida é cheia de incertezas. A matemática moral tenta lidar com isso usando algo chamado “teoria da utilidade esperada”. Basicamente, você calcula a utilidade (ou benefício) de cada resultado possível, pondera pela probabilidade de acontecer e escolhe o que tiver a melhor média.
Um exemplo: o João prefere ganhar 1 milhão certo do que ter 50% de chance de ganhar 3 milhões. Porque, para ele, a diferença entre 1 e 3 milhões não é tão importante quanto a segurança de não ficar sem nada. Já a Maria, que precisa de 3 milhões prparaazer uma cirurgia que salva a vida dela, prefere arriscar. A utilidade dela é outra.
Agora pensa na Maria e no João decidindo doar dinheiro: salvar a floresta amazônica ou combater a pobreza? Se a gente conseguir calcular qual causa tem maior valor moral esperado, os dois deveriam doar para ela. Mas aí entra o problema: como podemos calcular isso com precisão? E se a floresta salva mais vidas a longo prazo? E se um pobre salvo agora for a chave para uma descoberta que salva milhões no futuro? Uma incerteza que reina.
Tem gente que defende uma ideia maluca (mas com lógica interna): que mesmo uma chance minúscula de um bem gigantesco (tipo salvar trilhões de pessoas no futuro) vale mais do que salvar milhões agora. Isso leva a umas decisões meio doidas, tipo investir bilhões em explorar o espaço enquanto tem gente morrendo de fome hoje. Esse pensamento é chamado de “fanatismo”. E o pior, ele nasce de uma aplicação matemática bem feita. A conta bate. Mas será que faz sentido moral?
A tal da ideia do “longotermismo” — pensar em ações que impactam não só nossos filhos, mas milênios à frente — parece nobre. Mas ela esbarra numa parede: a gente simplesmente não sabe o suficiente sobre o futuro. Quanto mais a gente tenta prever a longo prazo, mais nossas certezas viram fumaça. Tem até estudos mostrando que previsões muito distantes acertam menos do que chutes aleatórios. A matemática perde força quando a base de dados é zero.
O grande entendimento, para mim, foi essa: por mais poderosa que a matemática moral seja, ela não é uma bola de cristal. Ela serve para clarear o pensamento, reduzir o erro, dar um norte. Mas não para substituir o julgamento humano. Tem horas que o mais honesto é dizer: “não faço ideia do que vai acontecer”. Tipo aquela situação de investir em exploração espacial. É possível que dê certo? Sim. Mas também é possível que salvar vidas hoje seja o que vai criar o futuro brilhante que a gente sonha. Vai saber.
O que eu levo disso tudo é que a matemática moral não é um vilão gelado que ignora a humanidade das pessoas. Pelo contrário. Ela tenta mostrar que nossas emoções, por mais bem-intencionadas que sejam, nem sempre levam às melhores escolhas. E que, sim, existe valor em tentar entender o que é “melhor” com um pouco mais de rigor.
Mas também aprendi a respeitar os limites. Nem tudo que dá pra calcular deve ser calculado. E nem todo número bonito representa a realidade. Como diria Wittgenstein, o problema não é a lógica em si, mas quando a gente fica encantado demais com ela, a ponto de esquecer que, no fundo, estamos falando de pessoas, vidas, escolhas difíceis.
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