Como os líderes se comportam

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Por que alguns líderes ásperos parecem ídolos estratégicos enquanto outros soam como tiranos improváveis? Essa pergunta ressurge sempre que um gestor ergue a voz numa reunião ou dispara e-mails recheados de ultimatos. Não há resposta única, mas um recorte recente da psicologia social ajuda a mapear o terreno: nossa visão de mundo competitiva ou cooperativa colore cada julgamento que fazemos sobre autoridade, competência e, sobretudo, antagonismo.

Antagonismo, tecnicamente, descreve condutas coercitivas (chantagem, intimidação, ameaças veladas) voltadas a obter resultados instrumentais. Afabilidade, no polo oposto, abarca comportamentos calorosos, colaborativos, empáticos. Entre esses extremos há gradações, porém o debate que interessa emerge quando alguém demonstra frieza incisiva: seria essa dureza sinal de competência ou simples grosseria?

Aqui entra a competitive worldview, CWV (visão de mundo competitiva). Pesquisadores definem CWV como o conjunto estável de crenças que retrata a sociedade como “selva de rivalidades” na qual o mais forte leva vantagem. Quem pontua alto nessa métrica costuma esperar disputas renhidas por status e recursos; quem pontua baixo enxerga cooperação e benefício mútuo como trilhos predominantes.

Sete estudos independentes, envolvendo mais de dois mil participantes, cruzaram essas variáveis. Primeiro, voluntários classificavam o impacto provável de gestos agressivos típicos (“repreender publicamente”, “impor ultimatos”, “expor falhas alheias”) no êxito de um profissional. Indivíduos com CWV elevada julgaram tais atos menos prejudiciais e, às vezes, moderadamente úteis para “fazer as coisas acontecerem”. Já quem via o mundo como espaço cooperativo percebeu forte dano reputacional.

Em seguida, surgiram cenários fictícios: gerentes que interpelavam colegas ou subordinados. Em versões afáveis, o chefe sorria, reconhecia esforços, ponderava sugestões; nas versões antagonistas, interrompia, ironizava, ameaçava cortar verbas. A cada leitura, participantes estimavam duas dimensões do gestor: competência geral e eficácia como líder. A interação foi cristalina:

Quanto maior a CWV do avaliador, mais positivo o juízo sobre o chefe agressivo.

Quanto menor a CWV, mais negativo o juízo — e maior a admiração pelo chefe cordial.

Não é que o comportamento em si mude, o que varia é a moldura interpretativa. Quem espera uma arena de confronto tende a pressupor que bons estrategistas farão uso, quando preciso, de pressão aberta. Quem espera colaboração enxerga esse mesmo arrojo como incompetência social mascarada de força.

Pesquisadores mediram percepção de impacto (o quanto um ato ajuda ou atrapalha) antes de pedir notas sobre competência. Essa pista sugere um encadeamento: visão de mundo → atribuição de impacto → julgamento de capacidade. Em outras palavras, se acho que ameaçar colegas acelera resultados, naturalmente atribuo sagacidade a quem ameaça com desenvoltura.

Não faltam exemplos concretos. O caso de uma gerente de restaurante que proibiu faltas médicas sem laudo circulou na imprensa com reações opostas — louvor à disciplina, repúdio à insensibilidade. O estudo replicou essa clivagem: participantes descreviam a cena e depois avaliavam a gerente. As notas divergiram conforme o grau de CWV, replicando o padrão experimental.

Outro recorte curioso: quando convidados a lembrar CEOs de sucesso, indivíduos com CWV alta retro-inferiram que esses líderes foram agressivos na escalada profissional. A inferência é curiosa, quase uma racionalização retrospectiva: “se chegou ao topo, provavelmente bateu forte nos degraus anteriores”.

Resultados finais analisaram funcionários em atividade. Sob supervisores antagonistas, empregados com CWV alta relatavam motivação e satisfação razoáveis. Já colegas de CWV baixa acumulavam exaustão e desejo de migrar de trabalho. A mensagem implícita: culturas empresariais toleram — ou até promovem — chefias duras quando boa parte do quadro compartilha a lente competitiva.

Vale lembrar que teorias evolucionistas enxergam a competição como motor de seleção em recursos escassos. Talvez a CWV reflita variações individuais na expectativa de escassez. Quem cresceu em contextos onde oportunidades pareciam limitadas, possivelmente internalizou regras de “lutar ou minguar”. Por conseguinte, interpreta dureza como vigilância adaptativa, não como falha de empatia. Essa hipótese não invalida os dados; amplia o pano de fundo.

Voltemos ao ponto inicial e reformulemos: quando o antagonismo sinaliza perícia? Nem sempre. Os mesmos estudos revelam um “prêmio de afiliação” no agregado; líderes afáveis ainda costumam receber melhores notas médias. A CWV, porém, atua como regulador de tolerância: nos polos competitivos, o prêmio encolhe drasticamente.

Já notamos que a moldura competitiva dita juízos, mas fica fácil esquecer que ela também medeia autopercepções. Funcionários que creem na selva corporativa tendem a normalizar pequenos abusos que sofreram, atribuindo-os a “normas do jogo”. Essa naturalização prolonga ciclos de toxicidade organizacional, impedindo correções simples — feedbacks empáticos, treinamentos de comunicação, revisão de metas.

Os pesquisadores foram honestos sobre fronteiras do trabalho: amostras online estadunidenses predominam, dados comportamentais escasseiam, contextos extra-corporativos ficaram à margem. Há espaço para comparações interculturais — imaginemos culturas onde harmonia coletiva é bandeira nacional: a aversão a chefes rudes talvez dispare. Outra frente promissora: rastrear mudanças de CWV ao longo da carreira. Será que profissionais cínicos começaram idealistas e foram se adaptando, ou já ingressam convictos na “lei da selva”?

Surge, então, a pergunta final que cada leitor pode fazer a si mesmo: “Em que medida enxergo meu ambiente profissional como arena ou como comunidade?” Essa resposta silenciosa filtra, sem que percebamos, cada elogio ou reprovação lançada a quem lidera. Talvez aí resida o poder oculto da pesquisa: revelar que, antes de condenar ou ovacionar o gestor de voz áspera, vale ajustar as próprias lentes e checar se o vidro está, de fato, limpo — ou apenas moldado por antigas batalhas internas.

Sentir-se instigado por essa constatação pode ser o primeiro passo para uma cultura onde competência não precise mascarar-se de grosseria. Afinal, escolher nossas lentes pode ser tão importante quanto escolher nossos líderes.



Referência:

Savvy or savage? How worldviews shape appraisals of antagonistic leaders. - As teorias existentes apresentam uma abordagem mista sobre como as visões dos observadores sobre o antagonismo de uma pessoa-alvo se relacionam com suas percepções sobre a competência geral e a eficácia da liderança da pessoa-alvo. Argumentamos que, em vez de ser universal, a relação entre essas percepções varia de acordo com as visões de mundo idiossincráticas dos observadores. https://psycnet.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2Fpspa0000456


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