O engano de se achar emocionalmente forte

Inteligência emocional

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Eu sempre achei que manter uma inteligência emocional forte fosse sinônimo de exibir uma postura firme, segura, quase inabalável. Acreditava que evitar conflitos, engolir o que incomodava e seguir em frente sem demonstrar muito já bastava. Com o tempo, percebi que esse controle que eu tanto valorizava não vinha de sabedoria emocional, mas de uma ideia limitada sobre o que realmente significa lidar bem com o que se sente. Era mais uma defesa do que um entendimento.

A ideia de que alguém pode ser emocionalmente inteligente já está no vocabulário de muita gente. Saber lidar com o que se sente, ter empatia, reconhecer no outro alguma emoção e ajustar o próprio comportamento com base nisso parece ser uma habilidade importante. Mas a história se complica quando se descobre que sentir bem ou saber lidar com emoções pode não significar o que se imagina. Há um abismo entre acreditar que se é bom com emoções e de fato ser. E é nesse espaço, entre a ilusão e a realidade emocional, que nasce uma nova forma de entender essa capacidade: a inteligência metaemocional.

Muitas pessoas se apoia em testes e avaliações sobre inteligência emocional, achando que isso já basta para compreender como lida com as próprias emoções. Mas o que se observa é que esses testes, ainda que úteis, não dão conta do quadro completo. Existe uma lacuna entre o que a pessoa acredita sobre si mesma e o que realmente consegue fazer quando se trata de sentir, entender e responder às emoções. Essa discrepância entre o que se acha e o que se é revela um campo novo, mais complexo e mais honesto. É onde entra a ideia de inteligência metaemocional.

O nome pode parecer técnico, mas trata de algo bem cotidiano: a capacidade que alguém tem de perceber o quanto está consciente das próprias emoções. Não se trata apenas de sentir raiva e saber que se está com raiva. Trata-se de saber o que se faz com ela, porque ela apareceu, se a forma de lidar com isso está funcionando e se existe alguma crença errada por trás desse sentimento. Esse tipo de percepção não é comum, não é automático e tampouco é garantido em quem se acha emocionalmente equilibrado.

Essa inteligência metaemocional é composta por três aspectos principais. O primeiro é o conhecimento metaemocional. Em outras palavras, saber o quanto se sabe ou não sobre as próprias capacidades emocionais. Muita gente acha que se conhece bem, mas ao se deparar com um desafio emocional, percebe que estava errada. O segundo aspecto é a autoavaliação emocional. Isso diz respeito a saber medir como foi o próprio desempenho em uma situação emocional específica. É como se fosse um espelho da reação emocional: funcionou ou não funcionou? O terceiro pilar são as crenças sobre as emoções. A forma como se acredita que as emoções funcionam tem um peso enorme sobre como elas são de fato vividas.

A pessoa pode acreditar que sentir tristeza é sinal de fraqueza e, por isso, evitar a tristeza a todo custo. Isso afeta diretamente como ela lida com perdas, com frustrações e até com relações. Essa crença, que parece inofensiva, molda comportamentos e até decisões importantes. Ao longo da vida, essas convicções se tornam lentes através das quais se vê o mundo emocional.

Essas lentes nem sempre são realistas. Algumas distorcem, outras escurecem, outras ampliam exageradamente certos sentimentos. Isso faz com que muitas decisões sejam tomadas com base em uma percepção distorcida do próprio mundo interno. Por isso, desenvolver a inteligência metaemocional é um processo de afinar essas lentes, corrigir crenças equivocadas e aceitar aquilo que se sente de forma mais madura.

O grande desafio é que, diferente de outros campos do conhecimento humano, as emoções não oferecem resultados objetivos. Se alguém erra um cálculo matemático, o erro aparece logo. Mas no campo emocional, os erros nem sempre são claros. Muitas vezes, a pessoa repete padrões, se machuca, machuca outros, mas não sabe que está errando. Falta retorno. Falta um tipo de medidor que diga: isso que você está fazendo não está funcionando.

E mesmo quando o retorno aparece, ele pode ser interpretado de forma equivocada. É possível que uma reação emocional desastrosa seja justificada por uma crença como “sou sincero mesmo” ou “não levo desaforo para casa”. Isso torna o erro ainda mais invisível. O que falta, muitas vezes, é a consciência sobre essa falta de consciência.

Nesse sentido, a inteligência metaemocional funciona como um regulador interno. Ela não elimina os erros emocionais, mas ajuda a entender que eles estão ali. Com esse reconhecimento, surge a possibilidade de fazer ajustes. É uma espécie de revisão emocional contínua. Quem desenvolve essa habilidade aprende a perceber melhor os próprios limites, a reconhecer quando está exagerando, a entender o que realmente está sentindo por trás de uma reação.

Um aspecto interessante é que essa inteligência não depende exclusivamente do desempenho emocional. Ou seja, alguém pode ter baixa habilidade emocional, mas ser altamente consciente disso. E essa consciência já coloca essa pessoa em vantagem, porque ela poderá buscar estratégias mais realistas, evitar situações que não consegue lidar e até crescer emocionalmente com mais consistência. O contrário também é verdadeiro: alguém pode ter uma boa habilidade emocional, mas superestimar tanto isso que acaba se prejudicando.

Superestimar a própria capacidade emocional é mais comum do que parece. Muitos adolescentes, acham que sabem lidar com tudo, que estão preparados para qualquer coisa, mas ao menor desafio emocional, desmoronam. Isso não é falta de inteligência emocional pura e simples, é falta de inteligência sobre a própria inteligência emocional.

Esse problema se agrava quando se considera que, no mundo real, são poucas as oportunidades em que se tem um retorno claro e educativo sobre a desempenho emocional. Quase ninguém diz: “você não soube lidar bem com essa emoção”. As pessoas apenas se afastam, se irritam, se silenciam. A mensagem não chega de forma direta, o que dificulta o aprendizado emocional. E quando chega, muitas vezes é ignorada por quem acredita já saber tudo.

As crenças sobre as emoções têm um papel central nesse processo. Quem acredita que emoções devem ser controladas o tempo todo tende a desenvolver padrões de supressão. Isso pode parecer autocontrole, mas na prática pode gerar acúmulo emocional, adoecimento e isolamento. Por outro lado, quem acredita que emoções devem ser sempre expressas sem filtro corre o risco de romper vínculos, de parecer agressivo ou desequilibrado. O equilíbrio está em reconhecer a emoção, entender sua função, e decidir o que fazer com ela de forma consciente e madura.

A inteligência metaemocional atua justamente nesse ponto: ajudar a identificar onde estão os desequilíbrios, quais crenças estão por trás deles e o quanto o desempenho emocional está realmente alinhado com a percepção pessoal. Trata-se de um exercício de autoconhecimento constante. E mais do que isso, trata-se de humildade emocional: aceitar que não se sabe tudo sobre o que se sente.

Essa humildade abre espaço para o crescimento emocional verdadeiro. Não aquele baseado em frases feitas de autoajuda, mas aquele que exige esforço, revisão de posturas, questionamento de certezas. E para isso, não basta só praticar. É necessário refletir. É necessário duvidar da própria impressão sobre si. É preciso colocar à prova a ideia de que se conhece emocionalmente.

Em ambientes escolares, essa consciência pode ser trabalhada de forma eficaz. Um adolescente que entende suas limitações emocionais tem mais chances de evitar conflitos, de se colocar no lugar do outro e de buscar ajuda quando precisa. O contrário, que é agir como se estivesse sempre certo, costuma isolar, gerar rejeição e aumentar frustrações.

O curioso é que quem superestima suas capacidades emocionais tende a enfrentar mais rejeição do que quem subestima. Isso acontece porque, ao se colocar em situações que não sabe lidar, essa pessoa tende a exagerar nas respostas, agir de forma incoerente, provocar mal-entendidos. Já quem subestima, embora perca oportunidades, tende a errar menos nos vínculos interpessoais. O ideal seria um equilíbrio, onde o que se pensa sobre si emocionalmente esteja mais próximo da realidade.

Existe uma grande vantagem quando se desenvolve a habilidade de avaliar com mais precisão o próprio desempenho emocional. Essa avaliação permite que se reconheçam erros sem culpa, que se reformulem estratégias e que se experimente novas formas de viver as emoções. É uma autonomia afetiva que nasce não da perfeição, mas da consciência.

Vale lembrar que essa consciência pode ser aprendida. A inteligência emocional em si pode levar tempo para se desenvolver, pois envolve prática, repetição, exposição a situações reais. Mas a consciência sobre essa inteligência, ou seja, a meta-inteligência emocional, pode surgir mais rápido. Basta que se estimule a reflexão, o diálogo interno, a revisão das crenças.

Esse aprendizado, quando bem conduzido, traz efeitos importantes não só para o mundo emocional individual, mas também para as relações. Pessoas mais conscientes sobre suas limitações emocionais são menos reativas, menos impulsivas e mais dispostas a aprender com os próprios sentimentos. E isso impacta diretamente na qualidade das relações sociais, no bem-estar e até no desempenho acadêmico.

Desenvolver inteligência metaemocional não é um luxo terapêutico. É uma necessidade humana que atravessa todos os campos da vida. Quem não sabe o que sente, não sabe o que decide. Quem se engana sobre si, engana os outros. Quem repete padrões sem perceber, vive a vida no automático, sem perceber que está tropeçando nos próprios sentimentos.

Há quem diga que se conhecer emocionalmente é o primeiro passo para viver melhor. Mas talvez o verdadeiro passo seja se conhecer no que se pensa sobre o próprio mundo emocional. Questionar essas certezas, rever essas crenças e aceitar que sentir é complexo, é confuso, e que saber disso já é uma forma de inteligência. Uma que nasce não da emoção em si, mas da consciência sobre ela.


Referências:


Relating emotional abilities to social functioning: a comparison of self-report and performance measures of emotional intelligence – Estudo mostra que medidas de desempenho e autoavaliação emocional captam processos mentais diferentes.
https://doi.org/10.1037/0022-3514.91.4.780

Beyond emotional intelligence: The new construct of meta-emotional intelligence – Artigo que propõe o conceito de inteligência metaemocional com foco em metacognição emocional.
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2023.1096663

Emotional intelligence: theory, findings, and implications – Os próprios criadores do MSCEIT apontam a dificuldade de definir respostas corretas em tarefas emocionais sem recorrer ao consenso.
https://doi.org/10.1207/s15327965pli1503_02

Emotion regulation in adulthood: timing is everything – Estudo mostra que estratégias como supressão emocional podem ser prejudiciais.
https://doi.org/10.1111/1467-8721.00152

Emotion regulation strategies in daily life: mindfulness, cognitive reappraisal, and emotion suppression – Evidências de como estratégias como a supressão são culturalmente reforçadas e emocionalmente prejudiciais.
https://doi.org/10.1080/16506073.2016.1218926

The role of emotional and meta-emotional intelligence in pre-adolescents’ well-being and sociometric status – Adolescentes que superestimam suas capacidades emocionais tendem a ser mais rejeitados socialmente.
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.749700

Sex differences in emotional and meta-emotional intelligence in pre-adolescents and adolescents – Mostra que níveis de inteligência metaemocional influenciam relações interpessoais e percepção social.
https://doi.org/10.1016/j.actpsy.2022.103594

Meta emotions at school: a program for promoting emotional and metaemotional intelligence at school – Estudo mostra que programas educacionais podem melhorar a consciência emocional mesmo sem alterar as habilidades emocionais de base.
https://doi.org/10.3390/educsci12090589

Emotional intelligence: science and myth – Diferencia os conceitos de EI como habilidade (avaliada por desempenho) e como traço (avaliada por autopercepção).
https://doi.org/10.7551/mitpress/2704.001.0001

Metacognition and cognitive monitoring: a new area of cognitive–developmental inquiry – Base conceitual da metacognição como ferramenta para autorregulação e consciência emocional.
https://doi.org/10.1037/0003-066X.34.10.906


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