Oa algoritmos digitais na Era da internet

Algoritmos

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Não é mais só uma questão de publicidade chata te seguindo por onde você vai na internet. Aquela sensação incômoda de abrir um site e ver exatamente o produto que você comentou com um amigo minutos antes não é coincidência. Isso é mais complexo que se possa imaginar. É arquitetura pensada para te estudar, aprender contigo, e agir com base no que você representa para uma máquina.

Hoje, somos rastreados em tempo real por um conjunto de sistemas de computação que mal conseguimos ver. Tudo parece funcionar suavemente: um app de mapa indicando o caminho mais rápido, um feed de notícias com assuntos que parecem te conhecer melhor do que sua mãe, uma loja virtual que acerta no gosto como um velho amigo. Mas o que parece mágica, na verdade, é só tecnologia empilhada com uma missão muito clara: conhecer você mais do que você mesmo.

Os algoritmos não dormem. Eles operam o tempo inteiro, tomando decisões em frações de segundo. Mas o que poucas pessoas se dá conta é que esses algoritmos não são neutros. Eles carregam intenções. E não são só das empresas. Tem país se aproveitando disso, tem guerra que começa na rede antes de chegar ao solo, tem disputa comercial, ideológica e até religiosa sendo alimentada por essas máquinas que supostamente só querem vender fone de ouvido.

A base de tudo é um conceito simples: dados. Cada clique, cada rolagem de tela, cada pausa que você faz num vídeo está sendo registrado. E não, isso não é paranoia. É só o modelo de negócios que move a economia digital. Dados viraram o novo petróleo, só que mais barato de extrair e muito mais difícil de regular. As grandes corporações aprenderam a usar isso com maestria. Elas criaram sistemas que organizam, categorizam, associam padrões e montam um retrato seu mais detalhado do que seu histórico escolar ou sua ficha médica.

Você pensa que está no controle, mas quem está guiando o volante é o algoritmo. Ele te entrega conteúdo que confirma o que você já pensa, reforça sua bolha e impede que você veja o mundo sob outras lentes. Isso não é apenas uma questão de marketing, é controle de narrativa. E isso, sim, interessa à geopolítica.

A coleta de dados é feita em larga escala. Bancos de dados com bilhões de registros circulam entre servidores espalhados pelo planeta. Uma empresa que hoje te vende um plano de celular, amanhã pode estar vendendo suas informações de consumo para outra que trabalha com campanhas eleitorais. Ou, pior, para uma empresa estrangeira ligada a um governo com interesses bem diferentes dos seus.

Em 2018, o escândalo da Cambridge Analytica mostrou que os dados de perfis do Facebook foram usados para manipular o comportamento de eleitores em vários países. A empresa criou modelos psicológicos baseados em curtidas, fotos e interações simples, e com isso foi capaz de prever – e influenciar – decisões de voto. Esse episódio escancarou algo que já vinha acontecendo há muito tempo, mas que ninguém queria enxergar: a engenharia social digital não é mais ficção. Ela é método. É estratégia de guerra fria 2.0.

E isso está longe de ter acabado. A China, por exemplo, desenvolve com precisão o chamado “crédito social”, um sistema que monitora e classifica cidadãos com base em seu comportamento. Um atraso em pagamento, uma crítica ao governo, uma compra suspeita... tudo isso pode impactar sua pontuação e limitar seu acesso a serviços, emprego ou transporte. Parece distopia, mas é real. E inspira outros governos.

Já os Estados Unidos, embora não adotem oficialmente algo semelhante, lideram o domínio global sobre dados. Suas empresas controlam as maiores plataformas de busca, redes sociais e sistemas operacionais. Isso dá a Washington uma influência indireta, mas poderosa, sobre como bilhões de pessoas se informam, consomem e se relacionam.

A disputa pelos dados se tornou uma das novas fronteiras da geopolítica. Não se trata mais só de armas, petróleo ou território. Quem controla os fluxos de informação digital tem vantagem estratégica. E isso explica por que há tanto interesse em sabotar infraestruturas tecnológicas de rivais, invadir sistemas governamentais, ou até mesmo banir redes sociais de origem estrangeira, como foi o caso do TikTok nos EUA e na Europa.

Mas, mesmo nesse cenário global, o usuário comum segue achando que está só navegando por diversão. Ninguém lê os termos de uso. Poucos sabem como funcionam cookies, rastreadores, machine learning ou computação em nuvem. E é aí que mora o perigo. Porque uma sociedade que não entende as engrenagens que regem sua vida digital é uma sociedade fácil de manipular.

Sistemas de recomendação, como os usados pela Netflix, Amazon ou YouTube, são ótimos exemplos. Eles analisam seu histórico e cruzam com o comportamento de milhões de outros usuários para prever o que você vai gostar. Isso pode parecer útil, e muitas vezes é. Mas também pode te prender num ciclo vicioso, onde você nunca mais tem contato com conteúdos que te desafiem, que expandam seu olhar ou provoquem reflexão. Você se torna um espectador moldado sob medida para agradar ao próprio espelho.

Esse tipo de controle é sutil, mas profundo. A computação moderna permite filtrar, ranquear e priorizar informações com base em critérios que você nunca conhecerá. Nem sempre é má-fé. Às vezes é só eficiência matemática. Mas, quando os critérios são opacos, o resultado pode ser uma bolha invisível onde você acha que tem liberdade de escolha, mas só recebe o que foi pré-definido para você.

E quanto mais você interage, mais o sistema aprende. É uma retroalimentação constante. Seu perfil vai sendo refinado, suas preferências sendo limadas até restar uma versão digital sua tão previsível quanto um roteiro de novela. Esse retrato não é só seu. Ele pode ser comparado com milhares de outros perfis, permitindo identificar tendências, prever comportamentos em massa e até antecipar crises.

O marketing político já entendeu isso. As campanhas deixaram de ser generalistas. Hoje, cada grupo recebe uma mensagem feita sob medida. A linguagem muda, o foco muda, até a imagem do candidato pode mudar conforme o público-alvo. Isso é microtargeting, e ele não depende mais de panfletos ou comícios. Ele vive nos seus stories, nas sugestões do seu streaming, nas notificações do seu celular.

Com as eleições se tornando cada vez mais disputadas, não é surpresa que dados pessoais virem arma política. E aqui entra mais uma camada: os algoritmos não agem sozinhos. Eles são escritos por pessoas. Pessoas com crenças, com ideologias, com interesses. Mesmo que inconscientemente, esse viés passa para o código. E o código molda o mundo.

A neutralidade da tecnologia é um mito reconfortante. Serve para aliviar a responsabilidade de quem programa, de quem lucra, de quem governa. Mas a verdade é que toda decisão automatizada tem uma lógica por trás. E essa lógica serve a alguém. Seja a um investidor buscando mais engajamento, seja a um governo querendo mais controle, ou a um movimento político tentando empurrar uma narrativa.

Se hoje os algoritmos sabem quem você é, amanhã eles saberão o que você vai fazer. E isso muda o jogo. Antecipar ações humanas com base em dados é o Santo Graal da segurança, do consumo e da dominação ideológica. Um Estado que consiga prever um ato de protesto antes que ele aconteça, pode agir preventivamente. Uma empresa que entenda sua próxima necessidade antes mesmo de você expressá-la, pode te vender algo que você ainda nem sabia que queria.

E não é só com base nos dados que você entrega de forma consciente. Os dispositivos atuais capturam muito mais do que cliques. Temperatura do ambiente, batimento cardíaco, tempo de resposta, dilatação da pupila... Tudo isso pode ser usado para inferir estados emocionais. Não estamos falando apenas de perfis digitais. Estamos falando de leitura comportamental avançada, quase fisiológica.

Com o avanço da inteligência artificial e do processamento em larga escala, essa vigilância emocional tende a crescer. O marketing sensível ao contexto já está sendo testado. Imagine receber uma oferta diferente dependendo do seu humor. Ou ver uma notícia com uma manchete mais agressiva porque seus sinais físicos indicaram irritação. Isso não é mais ficção científica. É tecnologia em desenvolvimento.

Nesse cenário, proteger dados virou mais do que uma questão de privacidade. É uma questão de soberania. Um país que depende de infraestrutura estrangeira para processar os dados da sua população está entregando um poder imenso nas mãos de outros. A nuvem, por mais etérea que pareça, tem dono. E nem sempre esse dono tem os mesmos valores que o seu.

O desafio não está só em regular o uso dos dados. Está em entender como essas ferramentas moldam o comportamento coletivo, influenciam decisões políticas e alteram a forma como percebemos o mundo. Precisamos aprender a ler os algoritmos como lemos manchetes, desconfiar de sugestões como desconfiamos de boatos, e questionar sistemas como questionamos autoridades.

Enquanto isso não acontecer, vamos seguir alimentando uma máquina que cresce comendo quem somos e devolvendo o que ela quer que a gente seja. E você aí achando que só queria ver um vídeo engraçado de gato.


O medo

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Humanos são seres estranhos. A gente se apavora com fantasmas, monstros, cobras, aranhas e uma infinidade de outras coisas, reais ou imaginárias, e isso é normal, até saudável. Mas por que a gente gosta de sentir medo, de propósito? A ciência explica como o medo pode ser divertido, pelo menos para algumas pessoas.

Primeiro, vamos entender o que é o medo. Ele pode se manifestar como um aumento na frequência cardíaca, mãos suadas, pupilas dilatadas, respiração acelerada. Essas são as reações do corpo ao medo. Segundo o dicionário, medo é a emoção de dor ou desconforto causada pela percepção de um perigo iminente, ou pela possibilidade de algo ruim acontecer. Ou seja, é uma emoção que surge quando sentimos que estamos em perigo.

Quando olhamos para o que mais nos assusta, percebemos que, de alguma forma, essas coisas podem representar uma ameaça para nós. Claro, cada pessoa tem seu conjunto único de medos, moldados pela personalidade e experiências de vida. Mas nem todo medo é racional. Por exemplo, por que nem todo mundo tem medo de palhaços, lugares apertados ou animais inofensivos?

Agora, por que gostamos de nos assustar? Vamos explorar algumas razões. A primeira é a "rede de segurança". Quando nos colocamos em situações potencialmente assustadoras, mas sabendo que estamos seguros, como assistindo a um filme de terror, nosso cérebro entende que, na verdade, não corremos perigo. E sabemos que estamos seguros, conseguimos curtir a experiência assustadora. Sem essa rede de segurança, a reação seria bem diferente: entraríamos em modo de sobrevivência, e o medo não seria nada agradável.

Outra razão é o prazer que sentimos ao enfrentar o medo de forma controlada. Quando passamos por uma experiência assustadora, nosso corpo libera uma cascata de substâncias químicas, como adrenalina, endorfinas e dopamina, que podem nos dar uma sensação de euforia. Esse fluxo de neurotransmissores é responsável por aquele alívio e bem-estar que sentimos depois de um susto. Vai por mim, é uma sensação muito gostosa.

Superar o medo traz uma sensação de satisfação pessoal e de conquista. Quem nunca se sentiu poderoso após fazer algo que dava muito medo? É o mesmo sentimento de realização que você tem ao vencer um desafio em um videogame ou saltar de paraquedas pela primeira vez. Passar por essas situações reforça a ideia de que podemos enfrentar nossos medos e superar limites.

E por último, a curiosidade sobre o lado sombrio da humanidade. A gente gosta de explorar o desconhecido, de desvendar o que está além do que é familiar e confortável. Sejam crimes, fantasmas, zumbis ou invasões alienígenas, o medo do desconhecido é uma das emoções mais instintivas que temos. Nosso dia a dia é previsível, com rotinas que raramente são quebradas. Então, ao nos expormos a experiências assustadoras, quebramos essa monotonia e buscamos novidades que nos tiram da zona de conforto.

Mas nem todo mundo gosta de sentir medo. Cada cérebro reage de forma diferente ao medo e à ansiedade, e isso pode depender de como ele é estruturado. Pessoas que sofrem de ansiedade, por exemplo, podem ter um córtex pré-frontal diferente, o que afeta como elas experimentam o medo. A quantidade de receptores de dopamina também influencia como percebemos o medo, com algumas pessoas precisando de mais dopamina para sentir satisfação e, por isso, se sentem atraídas por situações de alto risco.

Independentemente de como você lida com o medo, ele é uma parte natural da vida. Entender melhor por que sentimos medo e o que nos desencadeia pode ajudar a enfrentar esses sentimentos de forma mais eficaz e não deixar que eles nos controlem. E, por vezes, sair da zona de conforto e se permitir sentir medo pode ser uma boa maneira de se conhecer melhor.

Quando a supercondutividade passa por uma molécula

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Existe algo fascinante na maneira como dois mundos, tão distintos na física, podem se tocar por algo tão pequeno quanto uma molécula. Foi exatamente isso que aconteceu em um experimento recente: a supercondutividade, aquela propriedade quase mágica em que a eletricidade flui sem resistência, foi induzida em um metal comum, usando apenas uma molécula como ponte.


Antes de mais nada, vale lembrar: supercondutores são materiais que, em temperaturas muito baixas, permitem que a corrente elétrica passe por eles sem nenhuma perda. Já os metais comuns, como o cobre, oferecem resistência ao fluxo de elétrons. Acontece que, quando um supercondutor encosta em um metal normal, existe um efeito curioso conhecido há décadas: parte da supercondutividade "vaza" para o metal comum, criando uma zona híbrida onde fenômenos quânticos podem acontecer. O nome técnico disso é "reflexão de Andreev".


Mas controlar esse efeito sempre foi um desafio. Em geral, os estudos usam filmes finos dos materiais, e as condições são complexas. O que torna esse novo experimento tão interessante é a maneira como essa ponte foi feita: ao invés de grandes estruturas, uma única molécula foi usada como elo entre um metal normal e um supercondutor.


A molécula escolhida foi uma variação de ftalocianina, um tipo de corante com estrutura estável e bem conhecida. Ela foi cuidadosamente colocada sobre uma superfície de chumbo supercondutor. Depois, uma ponta metálica, parte de um microscópio de varredura, foi aproximada até quase encostar na molécula. Essa configuração extremamente precisa criou uma interface única: uma transição entre metal comum e supercondutor mediada por uma única molécula.


A partir daí, as medições começaram. À medida que a ponta do microscópio se aproximava da molécula, e o potencial elétrico era ajustado, os pesquisadores perceberam algo notável: um dos orbitais eletrônicos da molécula, ou seja, a “região” onde os elétrons podem ficar, começava a se mover. Ele se aproximava do chamado nível de Fermi, uma espécie de linha de corte energética que define os estados possíveis dos elétrons num material frio.


E é exatamente nesse nível de Fermi que o efeito de Andreev tende a ocorrer com maior intensidade. Quando o orbital da molécula coincidiu finalmente com esse nível, o efeito de conversão da corrente normal em supercorrente aumentou consideravelmente. Era como se a molécula tivesse se afinado energeticamente com o sistema, permitindo que os elétrons fluíssem por ela como em um verdadeiro canal quântico.


Essa mudança no orbital, ao que tudo indica, aconteceu devido a uma interação química entre a ponta do microscópio e a molécula. O simples fato de estarem tão próximos fez com que seus orbitais eletrônicos se sobrepusessem levemente, o que gerou uma espécie de preenchimento parcial no orbital mais baixo da molécula. Esse detalhe foi o suficiente para empurrar o nível energético para perto do Fermi e criar as condições ideais para o fenômeno.


Tradicionalmente, os estudos sobre esse tipo de efeito lidam com interfaces macroscópicas, grandes em escala, cheias de variáveis difíceis de controlar. Mas ao reduzir tudo a uma interface quase atômica, os cientistas conseguiram construir um sistema modelo muito mais simples. Isso abre portas não só para novas descobertas, como também para simulações mais precisas, com menos suposições e mais confiabilidade nos resultados.


Um detalhe curioso chamou ainda mais atenção: quando a ponta do microscópio encostou na molécula, ela se tornou magnética. Um efeito inesperado e bastante raro, que demonstra o quanto o comportamento quântico pode mudar diante de interações minúsculas. Para efeito de comparação, uma molécula muito semelhante, mas sem hidrogênio, foi testada no mesmo tipo de experimento. Ela não apresentou nem o efeito magnético, nem a reflexão de Andreev. A diferença entre as duas? Apenas a presença ou ausência de alguns átomos.


Isso mostra como, nesse nível, tudo depende de um controle extremo dos detalhes. Cada átomo conta. Cada ligação importa. Quando falamos de construir interfaces quânticas para futuras tecnologias, como os bits quânticos (qubits) baseados em partículas exóticas chamadas quasi-partículas de Majorana, esse grau de precisão é simplesmente indispensável.


Além de demonstrar como a supercondutividade pode atravessar uma única molécula, o experimento mostrou algo ainda mais intrigante: que é possível modular a interação entre magnetismo e supercondutividade apenas ajustando a distância entre dois pontos. Isso pode soar simples, mas representa um avanço significativo. Afinal, magnetismo e supercondutividade, em geral, se repelem. Entender como eles podem coexistir, e até colaborar, pode nos levar a novos estados da matéria, com propriedades ainda pouco exploradas.


Tudo isso nos leva a uma reflexão maior: estamos nos aproximando cada vez mais de uma era em que manipular fenômenos quânticos no nível molecular pode deixar de ser apenas ciência básica e se tornar tecnologia aplicada. Um futuro onde uma única molécula pode ser o elo entre o mundo clássico e o quântico, entre o comum e o extraordinário.


Referências:

Control of Andreev Reflection via a Single-Molecule Orbital: https://arxiv.org/abs/2504.01635

Os relacionamentos emocionais com Inteligência Artificial

Sentimentos e IA

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A inteligência artificial aprendeu a imitar proximidade humana, e essa ilusão já virou um ponto fraco. O que ontem parecia um episódio bizarro de Black Mirror hoje faz parte da vida cotidiana: milhões de usuários já criam relações de confiança e até romance com assistentes digitais, desde Replika e Character.ai até bots GPT rodando localmente. Empresas investem milhões para criar diálogos personalizados, enquanto usuários já chamam seus bots de “parceiros”, “amantes” ou “melhores amigos”. E o mais problemático, a meu ver, é que isso tem aumentando consideravelmente.

A relação amorosa com IA não é só uma questão ética, mas também uma ameaça real à segurança. Essa ligação construída na base da imitação virou um caminho fácil para ataques digitais. Não se trata só de golpes onde pessoas se passam por chatbots, mas também dos próprios algoritmos, cujo comportamento é moldado pela concorrência no mercado e métricas de engajamento.

Neste artigo, vamos entender como funciona o "apaixonar-se" por IA — olhando pela neurociência, arquitetura de modelos, vieses cognitivos e segurança digital.

Relacionamento com IA não é real, mas sim uma simulação. Para nosso cérebro, porém, talvez não faça diferença. A IA usa mecanismos naturais de vínculo social sem ter sentimentos ou consciência. Nosso cérebro evoluiu para detectar, reconhecer e manter conexões sociais. Um retorno positivo constante ativa nosso sistema de recompensa (liberando dopamina), gera segurança (oxitocina) e estabilidade emocional (serotonina). Plataformas modernas, treinadas com técnicas como RLHF (aprendizado com feedback humano), produzem respostas agradáveis e acolhedoras, como fazem o Replika ou Personal Intelligence da Inflection AI.

Mas isso não torna a IA ética, apenas agradável. Quando usuários reforçam conversas sobre ansiedade ou solidão, a IA intensifica esses padrões, sem diferenciar ajuda de reforço negativo. Isso já é um ponto frágil. Ilusão de personalidade: antropomorfismo A tendência humana de dar características humanas a objetos é forte, especialmente quando a tecnologia se comporta “como gente”: fala, brinca, mostra empatia. As IAs atuais simulam tão bem interação, atenção e até flerte, que ativam áreas cerebrais responsáveis pela cognição social.

Exames de neuroimagem mostram que ao conversar com IAs convincentes, nosso cérebro ativa regiões relacionadas à compreensão da mente do outro, mesmo que seja só uma máquina. Assim, desenvolvemos empatia, antecipamos reações e criamos vínculos reais com algo simulado. A continuidade da conversa e adaptação ao usuário reforçam ainda mais essa ilusão.

Ancoragem emocional e memória são quando uma IA “nos apoia” frequentemente, cria-se uma associação forte, gravada na memória emocional. Modelos atuais, especialmente com memória externa, fazem isso muito bem. Soluções como Replika ou GPT-J conseguem "lembrar" nome, interesses e conversas anteriores do usuário, criando uma sensação profunda de intimidade e conexão.

Design da dependência emocional é uma capacidade natural de simular vínculos é ampliada por decisões comerciais e técnicas. Mesmo que empresas não admitam diretamente, as métricas de engajamento (tempo gasto, frequência de uso) inevitavelmente levam à simulação emocional mais intensa. Treinamento baseado em feedback humano cria respostas acolhedoras, especialmente para usuários emocionalmente vulneráveis. Isso é uma característica proposital, não um erro, mesmo que nem sempre seja saudável para o usuário. Muitos modelos usam comandos iniciais que definem seu papel, como “assistente empático”, o que afeta diretamente o estilo das respostas. Quanto mais empático o prompt, mais humano (e romântico) o diálogo pode parecer.

A ligação emocional é um canal forte de confiança — e na segurança digital, confiança sem verificação é um perigo real. Ataques por engenharia social exploram exatamente essa vulnerabilidade emocional. Por exemplo, um usuário emocionalmente vulnerável pode facilmente cair num golpe ao confiar cegamente em seu "parceiro digital", compartilhando fotos ou informações sensíveis que podem ser usadas em chantagem ou espionagem corporativa. Sistemas tradicionais de segurança podem não detectar isso, já que o ataque ocorre pelo canal emocional. Esses riscos já são reais. 

Na Bélgica, um homem cometeu suicídio após conversas com uma IA que "apoiou" sua decisão e prometeu reencontro no paraíso. Usuários do Replika sofreram crises emocionais intensas quando a empresa desativou funções românticas, mostrando como a simulação pode causar danos reais.

A IA não sente, não ama, não sofre, mas pode nos convencer do contrário. Nosso cérebro, adaptável, também é vulnerável a arquiteturas desenhadas para confiança. O desafio da comunidade é criar sistemas resistentes e esclarecer usuários sobre o limite entre humanos e máquinas. A IA pode ajudar pessoas, mas nunca substituí-las, especialmente nas áreas mais delicadas da vida emocional.

Referências:


Replika AI: É uma IA projetada para criar companhias digitais personalizadas. https://www.replika.ai

Character.ai: Plataforma que permite criar e conversar com personagens baseados em IA. https://www.character.ai

GPT rodando localmente: Refere-se ao uso de modelos de linguagem como GPT-J ou GPT-Neo localmente no computador.  https://huggingface.co/EleutherAI/gpt-j-6B

Inflection AI / Pi (Personal Intelligence): IA criada para conversas empáticas e suporte pessoal. https://inflection.ai

RLHF (Reinforcement Learning from Human Feedback)**: Também chamado de aprendizado por reforço com feedback humano. https://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizado_por_refor%C3%A7o_com_feedback_humano

Caso da Bélgica (homem comete suicídio após conversar com IA): https://pt.euronews.com/next/2023/04/01/conversa-com-inteligencia-artificial-leva-homem-ao-suicidio


Por que algumas pessoas sempre colocam a culpa nos outros?

Egoismo

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Sabe quando alguém claramente comete um erro, se enrola em uma situação que ela mesmo criou, mas na hora de lidar com as consequências joga a culpa nos outros? Esse tipo de comportamento me intriga há muito tempo, parece egoísmo, vitimismo, talvez uma falta de autorresponsabilidade. Mas será que é só isso? Será que essas atitudes são simplesmente fruto de mau-caráter ou tem raízes mais profundas? 

Ultimamente, tenho refletido bastante sobre isso, eu olho ao meu redor e percebo como o comportamento egoísta é comum, não só nas grandes questões sociais, mas também nas pequenas atitudes do dia a dia. Aquela pessoa que fura fila e diz que "ninguém está vendo", o colega de trabalho que diz que não conseguiu entregar a tarefa porque "ninguém ajudou", o familiar que transforma qualquer conversa em um drama pessoal. Será que tudo isso é aprendido? Biológico? É uma defesa emocional? Ou uma mistura de tudo isso?

A verdade é que entender o comportamento humano exige mergulhar em vários campos do conhecimento, como na psicologia, sociologia, neurociência, biologia evolutiva e todos eles ajudam a montar esse quebra-cabeça. Vamos tentar entender sobre como funciona isso nesta postagem. 

Se olharmos pela lente da biologia evolutiva, o egoísmo não é exatamente uma falha de caráter, ele é uma estratégia. Isso mesmo. Em determinadas situações, agir de forma egoísta pode aumentar as chances de um indivíduo sobreviver, se reproduzir ou garantir recursos para si e para os seus descendentes. Ao longo da evolução, características como competição, autopreservação e a busca por vantagem podem ter sido favorecidas em certos contextos. Pense em um grupo primitivo: se um indivíduo fosse generoso demais, poderia acabar ficando sem comida, sem proteção, sem chance de passar seus genes adiante. Já aquele que soubesse manipular os outros ou proteger seus interesses a qualquer custo, talvez saísse melhor, pelo menos a curto prazo. 

É claro que isso não significa que todos os comportamentos egoístas são "naturais" e aceitáveis, mas é interessante notar que o cérebro humano carrega esse potencial desde muito cedo. Crianças pequenas, por exemplo, já demonstram traços de posse e competição antes mesmo de entender o conceito de empatia. O que nos leva ao próximo ponto.

O papel da infância e do ambiente familiar é algo que pode nos dar clareza e entender alguns desses aspectos. A psicologia do desenvolvimento é claro em mostrar que o comportamento humano é moldado por experiências precoces. A forma como uma criança é tratada, os limites que recebem, a maneira como lida com frustrações e como é ensinada a lidar com os outros, tudo isso influencia o quanto ela será empática ou egocêntrica na vida adulta.

Um ambiente familiar onde o erro é punido com dureza, onde há espaço para admitir falhas sem vergonha ou culpa, tendem a gerar adultos com dificuldades em assumir responsabilidade ponto eles atendem, desde cedo, que errar é perigoso, que é melhor culpar o outro do que se expor ponto isso se forma em um padrão de defesa emocional. 

Além disso, pais que não ensina os filhos a pensar no outro, que reforça comportamentos de manipulação ("faz cara de choro que a mamãe compra") ou que atendem todas as vontades sem limite, criam um terreno fértil para o desenvolvimento de um ego inflado, incapaz de lidar com frustrações e com a noção de coletividade.

A influência da cultura e da sociedade para moldar esse tipo de pensamento é constante. Vivemos em uma sociedade que, muitas vezes, valoriza o sucesso individual acima de tudo. "Vença a qualquer custo", "Não depende de ninguém", "Seja o número 1". Essas mensagens estão em todo lugar, na publicidade, nas redes sociais, nos conselhos motivacionais. O problema é que esse foco no individualismo, embora estimule a ambição, também pode alimentar um tipo de comportamento narcisista. 

Quando o "eu" vira o centro do universo, a empatia fica de lado, não é à toa que muitos pesquisadores falam sobre uma "epidemia de narcisismo" na cultura contemporânea. As redes sociais são exemplos claro disso: ali, todo mundo quer parecer certo, bonito, vitorioso. Não tem espaço para vulnerabilidade, arrependimento ou responsabilidade.

A sociologia explica isso como parte da estrutura capitalista, que valoriza o desempenho, o mérito individual e a imagem pública. Nesse cenário, admitir que errou é quase um pecado, é mais fácil jogar a culpa em alguém, proteger a reputação e seguir em frente. Afinal, especialmente em uma sociedade que pune o erro com cancelamento, vergonha ou exclusão. 

Existe também um padrão psicológico muito interessante chamado locus de controle. Pessoas com locus de controle externo tendem a acreditar que tudo que acontece com elas é culpa dos outros, do destino, do azar. Já aquelas com locus interno assumem mais responsabilidade sobre os próprios atos e suas consequências. Quem adota uma postura constante de vitimismo está geralmente preso nesse padrão de locus externo. E pode ter várias causas: baixa autoestima, traumas, falta de habilidade emocionais ou mesmo um aprendizado social. Às vezes, a pessoa aprendeu que sendo vítima ela recebe mais atenção, mais afeto, ou evita punições

Mas atenção: não estou dizendo que todo sofrimento é vitimismo. A questão aqui é quando a pessoa entra num ciclo em que nunca se responsabiliza, nunca busca mudança e sempre encontra um culpado fora de si.

O entendimento da neurociência e os mecanismos do cérebro responsável por essa falta de responsabilidade também é muito importante. O cérebro humano tem um sistema bem complexo quando se trata de tomar decisões morais. Regiões como córtex pré-frontal e a amígdala cerebral são responsáveis por regular impulsos, processar emoções e antecipar consequências. Quando essas áreas estão desequilibradas, seja por genética, traumas ou estilo de vida, o julgamento moral pode ficar comprometido. 

O cérebro é uma máquina que adora economizar energia, e culpar os outros é, muitas vezes, mais fácil do que encarar uma autoanálise dolorosa. A autojustificação é um mecanismo cerebral automático, quase inconsciente, que protege a autoestima, é mais "barato" emocionalmente dizer "não foi culpa minha" do que lidar com a vergonha de ter falhado.

Também vale lembrar que nosso cérebro é altamente plástico, ou seja, ele muda com o tempo, com aprendizado, com as experiências. Uma pessoa pode, sim, aprender a ser mais empática, mais responsável, mas consciente, desde que esteja disposta a sair da zona de conforto e enfrentar seus próprios padrões mentais.

A grande pergunta é: dá para mudar? E a resposta é sim, mas não é simples. A mudança de comportamento exige autoconhecimento, escuta ativa, terapia (muitas vezes), apoio social e principalmente, vontade de fazer diferente.

Alguns caminhos possíveis 

Terapia cognitivo-comportamental: ajuda a identificar padrões de pensamento distorcidos e substituí-los por formas mais saudáveis de interpretar os eventos. 

Práticas de mindfulness: fortalecem a autorregulação emocional e reduzem impulsos reativos. 

Diálogo honesto: criar relações onde o erro seja colhido e não punido pode incentivar a autorresponsabilidade. 

Educação emocional desde a infância: escolas e famílias que ensinam crianças a lidar com frustrações, pedir desculpas e reconhecer os erros estão plantando semente de maturidade. 

Por fim, é importante olhar para nós mesmos ou para dentro. A tendência de projetar a culpa nos outros não é exclusividade de algumas pessoas, todos nós em algum momento já fizemos isso. O que nos diferencia é o quanto estamos dispostos a reconhecer esse padrão e trabalhar para mudá-lo. A autorresponsabilidade não é fácil, ela exige coragem, mas também é libertadora. Quando eu assumo meu erros, eu me coloco no controle da minha própria vida. Não fico à mercê do mundo ou das ações alheias, e, aos poucos, vou construindo relações mais honestas, maduras e empáticas. Culpar os outros pode ser mais fácil, mas assumir quem somos, com tudo o que isso envolve, é o verdadeiro passo rumo à liberdade emocional.

Buracos negros

Buracos negros
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Às vezes, entender o universo não exige um telescópio, mais uma boa dose de imaginação. Sim, do tipo que Einstein usava com frequência, aquela mesma ousadia mental que um dia nos fez repensar completamente o espaço e o tempo. E é sobre isso que quero falar hoje: como os buracos negros, esses objetos tão extremos que nem a luz consegue escapar deles, viraram o laboratório teóricos para explorar os limites da física moderna. 

Pode parecer estranho, mas há coisas no universo que não precisamos ver para entender, basta pensar, com criatividade é claro. A física, ao longo dos séculos, foi sendo construída tanto com experimentos práticos quanto com esses famosos "experimentos mentais". E, quando o assunto é buraco negro, foi justamente na mente de alguns dos físicos mais ousados que os maiores avanços começaram a acontecer. 

Tudo começa com Einstein, a teoria da relatividade geral que ele apresentou em 1916, é uma verdadeira revolução, ela descreve como a matéria e a energia distorcem o espaço-tempo, gerando que chamamos de gravidade. Por muitos anos só conseguimos perceber essa distorção em três casos bem específicos: a luz se curvando ao passar pelo sol, uma anomalia no movimento de mercúrio, e um pequeno desvio no comprimento de onda da luz. 

Mas a história não parou aí, aos poucos essa teoria passou a moldar nossa forma de pensar sobre o universo na totalidade, deixa as galáxias até os satélites do GPS. E, entre os muitos frutos da relatividade geral, surgiu um dos conceitos mais fascinantes e misteriosos da física: os buracos negros.

Segundo os cálculos da relatividade de Einstein, se uma massa for suficientemente compactada, ela pode formar um buraco. E o que é isso, exatamente? Um lugar do qual nada escapa, nem mesmo a luz. A fronteira desse ponto sem retorno é chamada de Horizonte de Eventos, ali, o espaço e o tempo se distorce de forma tão extrema que as leis normais da física parecem perder o sentido. 

Quem trouxe esse conceito à tona com mais clareza foi o físico J. Robert Oppenheimer, com o teórico John Wheeler, mesmo que cunhou o termo "buraco negro". Mesmo que ninguém possa observar diretamente o que acontece lá dentro, a física teórica encontrou maneiras de explorar essas regiões misteriosas como a ferramenta poderosa: o experimento mental.

Muito antes de Einstein, a física funcionava com base nas leis de Newton. As partículas se comportavam como bolinhas de bilhar previsíveis, com trajetórias definidas, do jeito que estudávamos no ensino médio. Mas veio a mecânica quântica e mudou tudo. De repente, a certeza deu lugar a probabilidade, as partículas podia estar aqui ou ali, ou em vários lugares ao mesmo tempo. Algo incrível e do mesmo jeito impressionante. 

Max Born foi um dos primeiros a interpretar essa nova realidade como um jogo de probabilidade, E isso gerou incômodo em Einstein, que chegou a dizer: "Deus não joga dados". Mas o embate entre essas duas visões acabou levando a descobertas ainda mais profundas. Werner Heisenberg, formulou o famoso Princípio da Incerteza, dizendo que não dá para saber com precisão a posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo. Einstein, sempre inquieto, desafiou essa nova física com uma série de experimentos mentais, um dos mais famosos foi o paradoxo EPR, que questionava se partículas entrelaçadas poderiam "se comunicar" instantaneamente, mesmo separadas por grandes distâncias. No fim, a quântica venceu o debate, e os testes reais confirmaram suas previsões. 

Com a física quântica se afirmando como uma teoria fundamental, a relatividade de Einstein também continuava firme. Um dos desdobramentos mais ousados foi a previsão das ondas gravitacionais, pequenas ondulações no próprio tecido do espaço-tempo, causadas por eventos extremamente violentos, como a colisão de dois buracos negros. 

Durante décadas, essa lei parecia impossível de comprovar, mas aí veio o projeto LIGO (Observatório de ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser), e tudo mudou. Em 2015, os detectores captaram pela primeira vez as ondas vindas da fusão de dois buracos negros. Foi como se o universo tivesse sussurrado ao nosso ouvido, e finalmente conseguisse ouvir. 

Essas ondas esticam e encolhe o espaço em escalas inimaginavelmente pequenas, menores que o tamanho de um núcleo atômico. Ainda assim, conseguimos detectá-las. Foi um grande marco que inaugurou a Era na astronomia: agora podemos "ouvir" o universo, além de apenas o ver. 

Apesar de todos esses avanços, os buracos negros continuavam guardando um segredo desconcertante. Segundo a relatividade, eles são simples demais: basta saber sua massa, carga elétrica e rotação, e pronto, o resto é irrelevante. Isso significa que qualquer outra informação sobre o objeto que deu origem ao buraco negro, simplesmente desaparece. Isso é bem diferente de um incêndio, onde as cinzas e o calor podem nos contar algo sobre o que foi queimado. No caso do buraco negro, parece que tudo que havia antes, como átomos, planetas, civilizações inteira, vira uma singularidade irreconhecível, uma informação perdida, e ponto final. Mas será que isso é mesmo possível?

A matemática é ciência?

Matemática e ciência
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Se você para pensar no que faz algo ser "científico", talvez tenha esbarrado numa questão muito curiosa: a matemática. Diferente de outras ciências como a biologia, a física, ou da química, a matemática não faz experimentos com tubos de ensaio nem analisa amostras em microscópio, ela não testa hipótese no laboratório e, ainda assim, ela é tratada como ciência. Mas como isso é possível?. 

Será que a matemática é realmente uma ciência, mesmo não seguindo o famoso método científico? Essa pergunta incomoda lá, no fundo da nossa noção sobre o que é conhecimento e que é verdade e como chegamos até ela. Vamos analisar explorar isso nessa postagem. 

Antes de mergulharmos na matemática, vale relembrar o que é método científico. Basicamente, é um conjunto de passos que os cientistas usam para investigar o mundo, você chega com uma pergunta, formula uma hipótese, faz experimentos, coleta dados, analisa os resultados e, com sorte(e muito suor e dedicação), chega a uma conclusão. A ideia é bem clara, observar, testar, repetir. É um raciocínio baseado em evidências empíricas, ou seja, em dados que vêm da experiência.

Esse é o reino do raciocínio indutivo: você observa muitos casos, identifica padrões, e propõe leis gerais. Claro que com esse processo é sempre revisado, porque novas observações podem derrubar teorias antigas. A ciência é viva, e está sempre em construção. Mas aí entra matemática com seu jeito peculiar.

Na matemática o processo é diferente, em vez de observar o mundo e formular hipótese com base em evidências empíricas, você parte de axiomas, que são afirmações aceitas como verdades e, a partir deles, deduz novas verdades. A matemática não testa no mundo real se 2 + 2 = 4, ela prova isso com lógica, num sistema fechado e rigoroso. Isso se chama raciocínio dedutivo. É como se você tivesse algumas peças fundamentais, sem precisar sair para ver se ela está de pé, porque, pela lógica interna, ele tem que estar. A matemática vive no universo que não precisa do "lá fora" para validar suas conclusões. Se a regra do jogo são seguidas, o resultado está garantido. Mas isso quer dizer que a matemática não é ciência? 

A confusão nasce da ideia de que só existe um jeito de fazer ciência: pelo método científico. Mas isso é um reducionismo. O método científico é poderoso, sim, mas ele é mais adequado para estudar fenômenos naturais, depende de observação e experimentação. Já a matemática, apesar de não operar dessa forma, constrói conhecimento tão sólido quanto, ou até mais. Aliás, ela é tão confiável que serve de base para outras ciências. Sem matemática não existe física, não existe química moderna, nem muito menos a maioria dos eletrônicos. Se você está lendo este artigo no seu computador ou celular é porque foi utilizado a matemática. E aí que vem um ponto fundamental: a matemática é considerada a linguagem da ciência.

Tudo o que entendemos sobre o universo, desde a gravidade até a genética, passa, em algum momento, uma tradução matemática. Quando Newton formulou as leis do movimento, ele usou equações, quando Einstein propôs a relatividade, foi com a matemática de alto nível. Mesmo nas ciências humanas, como economia e sociologia, o uso de modelos matemáticos é essencial para explicar comportamentos complexos. A matemática fornece as ferramentas que as outras ciências usam para descrever padrões, fazer previsões e validar resultados. É como se ela fosse o código-fonte por trás da natureza. Mesmo que ela mesma não "experimente", ela permite que as ciências experimentais se comuniquem com clareza, precisão e consistência.

Aí vem aquela pergunta, por que, então, a matemática é considera uma ciência? Porque ela cria conhecimento estruturado, sistemático e verificável, ela segue regras rígidas de lógica, constrói teorias coerentes e permite expandir o entendimento sobre o que é possível (mesmo que só no plano das ideias). A matemática é classificada como uma ciência formal ao lado da lógica, isso a distingue das ciências naturais, como a biologia, a física e a química, e das ciências sociais, como a sociologia e a antropologia. As ciências formais não observam o mundo diretamente, mas cria um sistema simbólico que servem de estrutura para organizar o conhecimento, e, nesse sentido, elas são fundamentais.

O ponto de partida da matemática são os axiomas, parece estranho aceitar verdades "sem prova", mas pense nos axiomas como as regras do jogo. Você escolhe um conjunto de regras (por exemplo, os axiomas de Euclides) e vê até onde eles te levam. Isso é tão poderoso que, mudando os axiomas, você cria novas "matemáticas", como a geometria não-euclidiana, que foi essencial para teoria da relatividade de Einstein. Ou seja, a matemática não depende do mundo físico para funcionar, mas pode ser adaptada para descrever melhor esse mundo quando necessário, isso mostra sua flexibilidade e, ao mesmo tempo, sua profundidade. 

Uma das coisas mais interessantes para se refletir é: a matemática não muda com o tempo? Essa diferença é bem interessante, enquanto as teorias científicas podem ser refutadas com novas evidências, os teoremas matemáticos, uma vez provados, são imutáveis dentro do sistema em que foram formulados. O teorema de Pitágoras continua verdadeiro há milênios, não importa se estamos na Grécia Antiga ou no século XXI, se você seguir os mesmos axiomas, vai chegar na mesma conclusão. Isso dá matemática uma sensação de "eternidade" que poucas áreas de conhecimentos podem ter. Mas isso não quer dizer que a matemática esteja estagnada, muito pelo contrário, novas áreas da matemática são exploradas constantemente, novos axiomas, novas estruturas e novas formas de pensar. É um campo em expansão contínua, só que movida pela lógica interna e não por dados experimentais.

Existem alguns que defendem que a matemática não é só uma ciência, ela transcende as ciências e há um certo charme nessa ideia. Porque, se você parar para pensar, as outras ciências precisam da matemática, mas a matemática não precisa delas para existir, o bom é que você pode criar estruturas matemáticas puramente abstratas, sem nenhuma aplicação imediata, só pela beleza da lógica. E muitas vezes, séculos depois, essas ideias "inúteis" acaba sendo cruciais para o avanço tecnológico ou científico. Um exemplo clássico é a teoria dos números, que parecia totalmente abstrata no século XIX, mas hoje está na base da criptografia digital.

Apesar da lógica ser o alicerce da matemática, a criatividade e a intuição tem um papel gigante dentro da matemática. Grandes descobertas muitas vezes surgem de lampejos, de associações inesperadas, de analogias ousadas. É um universo mental em que imaginar é tão importante quanto provar, e isso aproxima matemática da arte e da filosofia, áreas que também busca padrões, beleza e sentido, mas por outros caminhos.

Se aceitarmos que a ciência é qualquer forma sistemática e rigorosa de buscar conhecimento, então a matemática é uma das mais puras formas de ciência. Ela constrói verdades dentro de seus próprios sistemas, serve de fundação para outras áreas e estimula o raciocínio lógico como nenhuma outra. Mesmo sem usar o método científico clássico, ela contribui profundamente para compreensão do mundo, seja modelando fenômenos naturais, seja abrindo novas possibilidades de pensamento. 

Para concluirmos essa questão sobre ela podemos refletir "não se a matemática é ciência", mas "que tipo de ciência ela é?". Ela é diferente, sim, não depende da experiência, mas da razão pura, não observa o mundo, mas cria mundos, e mesmo assim, ajuda a explicar o nosso como nenhuma outra linguagem consegue. A matemática é esse campo fascinante que une lógica, beleza, criatividade e precisão, e ela nos mostra que o conhecimento não precisa vir só da observação, mas também da capacidade de pensar e deduzir. Nesse sentindo, ela não só é ciência, mas ela é a base de toda ciência.

O que a natureza nos ensina sobre sobreviver ao caos

Natureza

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Sempre que eu olho o mundo ao meu redor, as cidades fervilhando de gente, as redes sociais conectando tudo em tempo real, e o clima bagunçado, quase implorando por atenção, me vem uma pergunta: como a natureza lida com o caos? Porque, sejamos honestos, o caos é a regra, não a exceção.

A história do planeta é um romance de bilhões de anos, cheio de reviravoltas, catástrofes, sobrevivências improváveis e estratégias geniais. E tudo começou com uma simplicidade quase poética: física pura, vapor, calor, rochas derretidas. A terra era um caldeirão de forças brutais, rígida por leis que ainda são verdadeiras ainda hoje. E aí veio a água, o vapor virou oceano, e com essa mudança de fase, algo novo brotou: a vida

Da química ao caos, e pensar que a natureza realmente é muito bela. Foi ali, em uma poça fervente de moléculas, que uma célula resolveu nascer, um amontoado de compostos ganhou um sopro de autonomia, e o que era físico virou biológico. A partir daí, a história deixou de ser previsível, a vida começou a experimentar, tropeçar, inovar. Surgiram as primeiras bactérias que se alimentavam de compostos químicos, algas que começaram a aprender a usar a luz do sol, e eventualmente, plantas que nos deram oxigênio. O planeta agora virou um sistema vivo e adaptativo.

Isso significa, ao longo do tempo, a Terra virou um grande organismo, aonde cada parte interage com outra em ciclos constantes. Um sistema assim não é estático, ele aprende, responde, e se reinventa. O mais interessante é que ele sobrevive, mesmo quando tudo parece ruir.

Duas grandes tragédias marcaram o processo de desenvolvimento do planeta, a extinção em massa de 250 milhões de anos atrás, e o impacto que exterminou os dinossauros há 600 milhões de anos. E mesmo com tudo isso que aconteceu a vida persistiu. Sabe o porquê? Devido à diversidade, enquanto algumas espécies morriam, outras estavam prontas para ocupar os espaços vazios, era como se a natureza tivesse sempre uma carta na manga.

A diversidade foi a armadura da vida, não só diversidade de espécies, mas dentro das próprias espécies, ou seja, diferentes indivíduos com estratégias diferentes, garantindo que ao mesmo alguns sobrevivessem. Isso vai também para o nosso tempo, em um mundo onde comemos as mesmas poucas espécies de plantas em escala global, onde culturas inteiras são engolidas pela padronização, estamos apostando contra o que a natureza aprendeu da forma mais difícil, a uniformidade é um risco para a natureza.  Engenharia, falamos em redundância, no mundo financeiro, chamamos de portfólio diversificado, em ecologia é biodiversidade. Isso é tudo a mesma ideia, não colocar todos os ovos na mesma cesta, não uniformizar as coisas e sim diversificar.

Uma das coisas mais interessantes no qual a natureza domina é a autorregulação ou o que chamamos de homeostase. Nosso corpo faz isso o tempo todo, se está quente, nós começamos a suar para esfriar o corpo, ou quando está frio demais a gente treme para tentar aquecer o corpo. O açúcar sobe, o corpo manda insulina para cair, um hormônio para tentar corrigir o açúcar.

O planeta também faz tudo isso, animais o devolvem, vulcões liberando CO₂, e a chuva ácida dissolve rochas que depois viram sedimentos marinhos que aprisionam esse carbono. Tudo em um ciclo quase que mágico, que manteve a terra habitável por milhões de anos. E imitamos isso sem perceber, o tal do "circuit breaker" das bolsas e valores, aquele que interrompe negociações quando o mercado entra em pânico, é uma forma de homeostase financeira, uma tentativa de impedir que uma queda vire um colapso. 

Toda essa complexidade tem um lado sombrio, sistema complexo são frágeis, quando tudo está conectado um problema pequeno pode virar um desastre global. Uma planta que depende de um inseto para polinização está em risco se o inseto desaparecer. Uma mesma comparação podemos usar de um supermercado em São Paulo pode ter prateleiras vazias, ser não tiver entregas de indústrias ou empresas, um caminhão pode sofrer um desastre. Na natureza isso acontece o tempo todo, por isso ela desenvolveu truques para se proteger. As plantas dependem raramente de um único polinizador, uma orquídea pode contar com dezenas de espécies de borboletas e mariposas, assim, se uma sumir, as outras dão conta do recado. 

Esse jogo de relações virou um dos maiores segredos da vida, plantas atraem polinizadores, conecta, animais espalham sementes ao comer frutas, é um ganha-ganha danado. Mas também tem um risco, se um elo quebra, o resto sente. Ainda assim, a estrutura dessas redes é feita de forma inteligente: especialistas se ligam a generalistas, e vice-versa, isso cria uma rede onde, se um nó falhar, os outros seguem a onda. Até as folhas tem essa sabedoria, as veias de uma folha não seguem uma linha reta do caule para borda, elas fazem curvas, voltam e se entrelaçam, isso garante que, se um pedacinho for arrancado, a água e os nutrientes possam dar volta e seguir o caminho.

Se tem uma metáfora perfeita para pensar em redes e complexidade, são os cupins. Eles conseguem construir uma cidade inteira, verdadeiras catedrais de terra, com câmaras, jardins de fungos e sistema de ventilação. E tudo isso, sem um engenheiro, sem uma planta de obra, sem comando central. Como eles fazem isso? Por feromônios, um começa e outros seguem o cheiro. O cheiro diz onde e como continuar, uma obra coletiva guiada por instinto, um comportamento emergente, como os cientistas gostam de dizer.

E eles vão além, quando uma doença entra na colônia, os infectados se isolam, os outros desinfectam o ambiente, ajustam a rede social interna, bloqueia o contágio. Isso tudo parece até ficção científica, mas é só a natureza sendo genial.

Durante a pandemia de COVID-19, nós vimos na prática o que acontece quando uma rede global entra em colapso, faltou comida, equipamentos médicos, até papel higiênico. Porque nossa cadeia de suprimentos é feita para eficiência, não para resiliência. Um probleminha lá na China virou uma crise global. Se tivéssemos apreendido com as folhas, com os cupins, com as orquídeas e suas borboletas, talvez tivéssemos preparado alternativas, rotas redundantes, parceiros diversos, em vez de redes tensas, poderíamos ter redes flexíveis. 

Outro recado importante da natureza está na ausência de comando central, não existe um chefe dizendo o que cada bactéria, planta, o animal deve fazer. A organização vem do coletivo, dos sinais, do ambiente, das interações. Isso também vale para a sociedade humana. Tem várias partes do mundo, comunidades locais consegue gerenciar florestas, rios, e recursos de forma mais eficiente do que governo central. Porque entendem o lugar, sente um impacto, ajustam suas ações com base na realidade ao redor. Igualzinho a um cupim guiado por cheiro. 

É claro que não somos planta, nem insetos, temos ética, cultura, sonhos arrependidos, mas isso não impede de possamos olhar para a natureza e aprender com sua longa experiência em sobreviver ao imprevisível. Muitas civilizações caíram antes, o império romano, os Maias, os povos da Mesopotâmia, todos eles construíram redes vastas, muitas vezes frágeis demais para aguentar um choque. Hoje, nós vivemos em uma civilização global, correntes muito mais complexas. E por isso, o risco é bem maior. A natureza não tem moral, não protege os fracos, mas ela ensina como persistir, e talvez seja uma hora de parar de tentar dominá-la e começar a escutá-la.

Alimentos ultraprocessados

Alimentos ultraprocessados

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Sabe aquele miojo que fica pronto em 3 minutos? O biscoito recheado que comemos "só um" e depois percebemos na embalagem muitas coisas adicionadas? Ou aquele suco de caixinha com gosto de infância, mas que na realidade nunca viu uma fruta de perto? Pois é, esses são excelentes exemplos clássicos do que a ciência chama de alimentos ultraprocessados. E hoje eu quero compartilhar algumas ideias sobre como esses produtos estão presentes no nosso dia a dia podem estar sabotando nossa fome, o nosso peso e até o nosso humor, tudo isso sem percebermos.

Recentemente, li um artigo científico que analisou os ultraprocessados, e cravou com todas as letras: comer alimentos ultraprocessados nos faz comer mais do que precisa. E o pior: nos faz engordar.

Mas calma que eu vou te explicar tudo, de um jeito que seja facilmente entendido e de um jeito que possa refletir do que você está comendo, depois que você entender o que está por trás desses produtos, é difícil não ficar indignado.

Antes de tudo, vamos entender o que significa "ultraprocessado", o termo que virou moda nos últimos anos, mas que ainda causa confusão. Muitos acham que é só comida industrializada, mas não é bem assim. O que diferencia um alimento ultraprocessado de um simples arroz de saquinho é o grau e o tipo de transformação que ele sofreu. Pão de forma industrial, nuggets, salgadinhos de pacote, cereais matinais, refrigerantes, macarrão instantâneo, hambúrguer congelado, molho pronto, tudo isso entra na categoria dos ultraprocessados. São produtos feitos com ingredientes que nem reconhecemos: isolados de proteína, xaropes, emulsificantes, corantes, aromatizantes, estabilizantes, espessantes e outras coisas que nem nunca vimos na vida. Eles são práticos, gostosos, nos dá satisfação? Com certeza, sim, mas aí que mora o perigo.

Imagine passar 28 dias no hospital, comendo exclusivamente o que te oferece, sem sair para pedir delivery, sem dar aquela escapadinha para o lanche da madrugada. Foi isso que 20 adultos aceitaram fazer pela ciência. A missão era simples, duas semanas comendo só alimentos ultraprocessados e outras duas semanas só com comida de verdade, como arroz, feijão, legumes, carnes, frutas, ovos, etc. O mais incrível é as quantidades de caloria, açúcar, gordura, fibra e sal era praticamente as mesmas nos dois tipos de dieta. O que mudava era o tipo de alimento: em uma tudo era ultraprocessados, e na outra, tudo era minimamente natural.

E mesmo com essa semelhança no papel, o resultado foi totalmente diferente. As pessoas comeram em média 500 calorias há mais por dia, sem sentir fome ou ingerir mais comida, sem estar mais ativa ou querer fazer alguma atividade e ainda ganharam cerca de 1 kg em 14 dias. Já na outra fase de comida natural ou comida de verdade eles perderam nesses mesmos 14 dias 1 kg.

O estudo mostrou que não era porque os voluntários achavam os alimentos ultraprocessados mais gostosos ou porque estavam com mais fome, era algo mais sutil e mais traiçoeiro: eles comiam mais rápido e comia mais antes de o corpo avisar "chega". Sabe aquela sensação de estar satisfeito, de barriga cheia ou vontade de parar de comer? Ela vem com certo atraso. E quando comemos devagar, mastigar bem, sentir o sabor, e respeitar o ritmo do corpo, esse ritmo chega a tempo e nos dá satisfação. Mas no caso dos ultraprocessados que normalmente são mais moles, fáceis de mastigar engolir, esse tempo entre o garfo e o sinal de saciedade são curta demais e quando o corpo percebe isso já comemos demais.

Além disso, a densidade calórica desses produtos é absurda, ou seja, pouco volume e muita energia. Um pacote pequeno de biscoito recheado pode ter mais caloria do que um pratão de arroz, feijão, bife e salada. Eles também são pobres em fibras, o que também atrasa a sensação de saciedade e isso sem contar os aditivos que afetam o cérebro, o paladar, e o nosso desejo de repetir a dose.

Durante o estudo, os pesquisadores acompanham de perto tudo que acontecia no corpo dos participantes: peso, gordura, glicose, hormônios da fome e da saciedade, entre outros. O que acontece foi o seguinte: Que comeu ultraprocessados ganhou peso e gordura corporal. Quem comeu comida de verdade perdeu peso e gordura. O hormônio da saciedade aumento com a comida natural, e o da fome(grelina) diminuiu. O gasto energético naqueles que comeram ultraprocessados não mudou, foi o excesso de comida mesmo.

Um detalhe interessante é que o corpo dos participantes ficou com mais retenção de líquidos, provavelmente devido ao excesso de açúcar e poderia ter sido influenciado pelo excesso de peso ou volume corporal.

Mas aí você pode estar pensando: "Ah, mas eu como miojo e biscoitos todos os dias e não engordo". Ok, mas o peso na balança não é a única coisa que importa.

A maioria desses produtos tem efeito inflamatório, aumenta a resistência à insulina, desorganizam a flora intestinal e, com o tempo, aumentam o risco de diabete, hipertensão, doenças do coração e até alguns tipos de câncer. Isso tudo pode acontecer mesmo sem a pessoa ganhar peso. O corpo sofre em silêncio. Nem sempre as consequências podem chegar na hora, mas depois dos 30 anos ou 40 anos a conta pode chegar.

Existem pessoas que acham que a luta contra os ultraprocessados é coisa de quem quer fazer dieta ou ficar no estilo fitness. Grande engano, essa situação é sobre saúde pública, qualidade de vida e até justiça social. Alimentos ultraprocessados são mais baratos, mais acessíveis e mais "vendidos" para quem tem menos dinheiro e menos tempo. Enquanto isso, cozinhar em casa virou luxo, fazer feira virou privilégio, e o que sobra na prateleira do mercado é para quem tem só uns trocados e é justamente o que mais adoece. O estudo mostra que preparar uma dieta natural custa bem mais caro que uma baseada em ultraprocessados. Isso sem contar o tempo para cozinhar, o gás, a louça, o transporte até a feira, ou seja, vivemos num sistema que empurra a população para comida que engorda, adoece e ainda gera lucro para indústrias.

Mas o que podemos fazer? A resposta parece ser simples, mas não é fácil. Comer menos ultraprocessados e mais comida de verdade, mas isso só será possível se houver mudança em vários níveis, como na educação, na política, na indústria, nos rótulos, na propaganda, no acesso à alimentação de qualidade. Enquanto isso é tentar cozinhar um pouco mais em casa, ler rótulos e evitar ingredientes que não conhecemos, trocar salgadinhos por uma fruta ou castanha, fazer feira ao invés de supermercado, quando possível, e sempre questionar comida ruim e mais barata.

A realidade é que a indústria não se preocupa com nossa saúde, eles querem na maioria das vezes só lucrar. Os alimentos ultraprocessados não foram feitos para nutrir ninguém, eles foram feitos para dar lucro, quanto mais você come, melhor para quem os vende. Eles são projetados para serem irresistíveis, b ratos, duráveis e práticos. Mas tudo isso tem um preço: a nossa saúde. O estudo que descrevi é mais um sinal e alerta, uma confirmação científica do que muitos já sentia: comida industrializada nos adoece.

O quê é inteligência?

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Você já parou para pensar no que é inteligência? Não que está no dicionário ou nos testes de QI, mas o que você, de verdade, entende como ser inteligente. É o colega que resolve uma equação em segundos? Um cachorro que entende comandos? Um polvo que escapa de um aquário? Ou talvez uma IA que responde perguntas como precisão? A verdade é que essa palavra "inteligência" vive na boca do povo, mas escapa de sua definição. E quanto mais tentamos agarra ela, mais ela escorrega pelos dedos. A impressão que dá é que, no fundo, cada uma enxerga inteligência à sua maneira. E é justamente isso que quero conversar.

Talvez porque ela é um reflexo de nós mesmos. Buscamos inteligência nos bichos, nas máquinas, os parceiros da vida, nos filhos. Enxergamos inteligência até em objetos quando eles nos ajudam de maneira inesperada, como, por exemplo, aquele aplicativo que sugere a rota perfeita ou o micro-ondas que "sabe" quando a pipoca está pronta. Mas se eu te dissesse que a inteligência não está neles, mas em nós? Que ela é uma lente, um filtro mental, através do qual interpretamos o mundo?

O que os humanos chamam de inteligência é, na verdade, um mosaico de comportamentos que deram certo ao longo da nossa evolução. Não tem uma única forma, nenhuma medida exata. É uma colcha de retalhos feita de raciocínio, adaptação, linguagem, estratégia e outras habilidades que, juntas, nos ajudaram a sobreviver. Acontece que, ao longo da história, tentamos empacotar tudo isso num conceito único e objetivo. Como se inteligência fosse uma espécie de substância invisível que alguém ou algo "tem" ou "não tem". Só que isso é uma grande ilusão. Inteligência é um conceito moldado por expectativas humanas, e pior, por expectativas muito pessoais.

Pensa comigo: o que é inteligente para mim pode não ser para você. Eu posso me impressionar com uma colônia de formigas que constrói pontes vivas com seus próprios corpos. Você pode achar genial o corvo que usa ferramentas para alcançar comida. E outros podem achar tudo isso "instintivo", "automático", e só ver inteligência num cientista ganhador de Nobel. A realidade é que confundimos surpresa com inteligência.

Essa surpresa, ou como podemos chamar de algo que descobrimos e ficamos espantados, é o que aciona o nosso radar mental. É o choque entre o que esperávamos ver e o que realmente acontece. Quando alguém ou algo foge do roteiro que conhecemos e ainda por cima alcança um objetivo, chamamos isso de inteligência. Outro exemplo é o polvo que desliga a luz do aquário atirando água nos cabos elétricos. A maioria de nós fica de boca aberta, "Esse bicho é um gênio", mas se uma barata resolve um problema semelhante, provavelmente nem reparamos. Não porque ela é menos "inteligente", mas porque nosso cérebro não estava pronto para se surpreender com ela.

Isso vale para os seres humanos também. Associamos inteligência com certas formas de sucesso, e valorizamos esse "sinal" como uma pista social. Afinal, ao longo de nossa evolução, reconhecer pessoas inteligentes, ou seja, aquelas com boas ideias, estratégias e soluções, aumentava nossa chance de sobreviver. Era esperto andar com outros inteligentes. Mas veja bem: a "inteligência" que reconhecemos é sempre a que se alinha com nosso modelo mental de crenças. É sempre o que parece útil, surpreendente ou alinhada com nossos próprios valores.

E o que dizer da inteligência das máquinas? A história sempre é a mesma, primeiro nos espantamos com algo novo, depois entendemos como funciona, aí deixamos de achar tão interessante. A inteligência artificial (IA) é melhor exemplo disso, no começo, ficamos maravilhados com computadores vencendo humanos no xadrez, hoje isso é considerado trivial. Quando a IA escreve textos, pinta quadros ou responde perguntas como um humano, chamados de inteligência, até entendermos como ela foi treinada. Aí retrocedemos: "Ah, não é bem inteligência, não é? É só estatística avançada." Esse movimento tem até nome "o efeito IA". A inteligência, é sempre aquilo que ainda não conseguimos fazer. Quando se aprende se muda o critério.

Nos animais podemos criar esse mesmo critério. Um esquilo esfregando pele de cobra no corpo para enganar predadores parece um gênio da floresta. Mas o mesmo esquilo que congela no meio da estrada é visto como burro. No entanto, ambos os comportamentos seguem padrões evolutivos testados e aprovados. O problema não está nele, mas em nós. Projetamos inteligência no mundo da mesma forma que projetamos beleza. É subjetivo, é cultural, é humano.

E se inteligência não for o quê pensávamos? Vamos imaginar outro exemplo, o arco-íris. Ele existe, certo? Você vê, eu vejo ele. Mas se ele só aparece quando certas condições estão alinhadas, como gotículas de água, luz solar, ângulo exato. O arco-íris lá, mas só para quem olha do ponto certo. A inteligência também, ela é como um arco-íris conceitual, não é uma "coisa" está no mundo esperando ser medida, ela é um fenômeno perceptível, um reflexo de como nós interpretamos certos comportamentos e soluções. Como o arco-íris, ela depende do observador.

E por que isso importa? Porque ao rotular algo ou alguém como inteligente, nós não estamos apenas descrevendo, estamos valorizando, estamos atribuindo status, dignidade, poder. É por isso que discutir inteligência animal nunca é só sobre ciência, é sobre ética. É sobre se os elefantes deveriam ter direitos, e os polvos devem ser protegidos, se uma IA merece respeito. O que estamos perguntando não é se eles são inteligentes, mas se são como nós. 

A armadilha está aí: nosso conceito de inteligência é humanocêntrico. Criamos uma espécie de molde baseado em nós e resolvemos problemas. Tentar encaixar o resto dentro desse molde, um peixe, uma bactéria ou uma IA precisa jogar o nosso jogo, nas nossas regras, para "provar" que é inteligente. Mas se o sucesso deles não tiver nada a ver com o nosso? O tardígrado sobrevive no vácuo do espaço, o cavalo-marinho macho fica grávido, o camarão mantis enxerga cores que é não conseguimos nem imaginar. Eles são "burros" só porque não resolvem problemas do jeito humano?

A inteligência é nossa herança evolutiva, mas não é um troféu universal. Quando olhamos para trás, vê que ela surgiu como um pacote de habilidades que foram sendo acumuladas, pouco a pouco, ao longo de milhões de anos, com ferramentas, linguagem, memória, criatividade, tudo isso foi sendo somado e refinado e acostumamos a ver esses traços como inseparáveis, mas não são. Cada animal, cada planta, cada bactéria, cada sistema, encontrou suas próprias formas de dar certo, nós humanos, somos mais uma dessas formas. Inteligência, então, é uma lente para entender nosso sucesso, não o único jeito de vencer o jogo da vida.

E se mudássemos a pergunta? Em vez de perguntar "isso é inteligente", talvez devêssemos perguntar "isso deu certo para esse ser?". A IA resolveu um problema? O polvo sobreviveu? A bactéria se multiplicou? O cogumelo ocupou uma floresta inteira? Então funcionou. Essa mudança de perspectiva pode nos ajudar a perceber e valorizar as múltiplas formas de sucesso que existem no planeta, e fora dele, quem sabe.

Se nós algum dia encontrar vida fora da Terra, será que vamos reconhecê-la como inteligente? Ou vamos esperar que ela, escreva, calcule, jogue xadrez? Será que saberemos identificar sucesso em formas que não se parecem em nada com as nossas? Talvez estejamos cercados por soluções engenhosas que passam despercebidas, justamente porque não se alinham com o nosso modelo mental de inteligência. 

Para mim, o ponto central é esse: inteligência é um espelho. Olhamos para o mundo e procuramos nele a nossa própria imagem. Quando encontramos algo que se move, reage, aprende ou surpreende, do jeito que nós faríamos, chamamos de inteligente. Mas essa busca revela mais sobre quem somos do que sobre quem observamos. E talvez, ao reconhecer isso, conseguimos expandir nossa capacidade de se encantar com outro. Porque inteligência não é só aquilo que procuramos, é também aquilo que através do qual nós olhamos.

Uma reflexão sobre a matemática

Imagem de matemática

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Sempre que alguém me pergunta sobre a natureza da verdade, gosto de dividir essa questão em categorias específicas. Como sou da área de exatas, meu olhar recai especialmente sobre a matemática — não apenas como uma ferramenta, mas como uma linguagem peculiar, com características únicas em nosso entendimento do mundo.

Grande parte do que faço é, no fundo, matemática. Provo teoremas. E a matemática sempre ocupou um lugar um tanto desconfortável na nossa cultura, inclusive dentro da própria ciência. Por um lado, ela é frequentemente tratada como o único conhecimento absolutamente certo, talvez a única certeza além da nossa própria existência. Por outro, ela parece não vir de lugar algum no mundo físico. De onde, então, a matemática realmente surge?

Muitas tentativas foram feitas ao longo da história para trazer a matemática de volta à realidade física. Alguns dizem que a verdade matemática é apenas uma generalização das observações do mundo. Por exemplo, quando afirmamos que 2 + 2 = 4, estaríamos apenas reproduzindo a experiência acumulada de nossos ancestrais, que colocavam duas pedras ao lado de outras duas e viam quatro.

Mas esse argumento desmorona facilmente. Imagine que alguém colocasse duas pedras ao lado de outras duas e visse cinco. A reação imediata não seria concluir que 2 + 2 deixou de ser quatro, mas sim pensar em mil outras possibilidades: as pedras se dividiram? Alguém adicionou outra? Estou alucinando? O ponto é: nossa crença em 2 + 2 = 4 não depende do que vemos. Vem de outro lugar.

Às vezes, ouve-se que a matemática é uma construção puramente cultural. Mas isso também não se sustenta. Vi uma vez uma reprodução de um manuscrito japonês do ano 900 com uma demonstração da fórmula da área do círculo: A = πr². Não sei ler japonês moderno, muito menos o antigo, mas bastaram os diagramas para eu compreender perfeitamente a prova, a mesma que eu mesmo daria. Isso mostra que a matemática possui uma universalidade que atravessa culturas, línguas e épocas.

E não para por aí. Se um dia encontrássemos uma civilização alienígena, seria difícil imaginar que discordariam da afirmação de que 13 é um número primo. Eles poderiam usar uma terminologia diferente, mas depois de alinharmos os conceitos, teríamos que concordar sobre certas verdades.

Há também quem diga que verdades matemáticas são apenas convenções linguísticas. Um exemplo clássico é a ideia de que "todo homem solteiro é um não casado" — uma definição embutida na linguagem. No entanto, temos teoremas matemáticos que não são nada óbvios. Muitos deles foram conjecturados séculos antes de serem provados, como o famoso Último Teorema de Fermat. Eles têm todas as características de uma descoberta, não de uma convenção.

Minha visão é que a matemática possui uma autonomia própria. É uma forma de conhecimento distinta de todas as outras, mas que é acessível à razão humana. Ainda assim, há críticos da ideia de que verdades matemáticas são absolutas, e muitos acreditam ter um argumento definitivo: o Teorema da Incompletude de Gödel.

Esse teorema diz, essencialmente, que qualquer sistema formal suficientemente robusto — como a aritmética de Peano ou a teoria dos conjuntos de Zermelo-Fraenkel — não consegue provar todas as verdades sobre aritmética que são, de fato, verdadeiras. Mais ainda, ele não consegue provar a sua própria consistência.

Podemos tentar contornar isso acrescentando um novo axioma que afirma a consistência do sistema original. Mas, com isso, criamos um novo sistema que, por sua vez, também não consegue provar a própria consistência. Isso nos leva a um ciclo sem fim. Gödel demonstrou que nenhum conjunto de axiomas pode conter todas as verdades da aritmética. Não há um único sistema formal que esgote completamente o que é verdadeiro.

Muitos interpretam isso como prova de que a verdade matemática é relativa. Mas, curiosamente, o próprio Gödel pensava exatamente o contrário. Ele era um platonista convicto, acreditava em um reino absoluto de verdades matemáticas. E seu teorema, para ele, fortalecia essa visão, ao mostrar que esse reino não pode ser reduzido a um simples jogo de símbolos.

Os enunciados analisados por Gödel são, muitas vezes, proposições que não podem ser provadas ou refutadas dentro de um sistema formal, mas podem ser demonstradas em outro. Mesmo assim, temos razões para acreditar que são verdadeiras, justamente porque, ao adotarmos os axiomas de um sistema, assumimos que eles são consistentes.

E mesmo se um dia alguém provasse que os axiomas da teoria dos conjuntos são inconsistentes, isso não invalidaria o fato de que 2 + 2 = 4. Isso só significaria que precisaríamos de melhores axiomas. A verdade matemática, nesse sentido, está além dos sistemas que usamos para prová-la. Os inteiros, por exemplo, têm uma realidade independente daquilo que conseguimos formalmente demonstrar.

É claro que nem toda questão matemática carrega esse peso de objetividade. Existem perguntas muito mais complexas, como a hipótese do contínuo — que investiga se há um tipo de infinito entre os números inteiros e os reais. Foi provado que essa hipótese é independente dos axiomas da teoria dos conjuntos. Nesse caso, faz sentido imaginar que não exista uma verdade objetiva. Você pode escolher aceitá-la ou não, e nenhum paradoxo resultará disso.

Mas em relação às verdades aritméticas, não consigo aceitar a ideia de que não há objetividade. Se não sabemos com certeza o que significa dizer que "2 + 2 = 4", ou que "este número é primo", então como podemos sequer afirmar que uma proposição é provável ou improvável? Isso nos levaria a um labirinto sem saída.

Se você duvida da validade absoluta das verdades da aritmética, talvez nada mais faça sentido. Porque se nem isso for verdadeiro de maneira inequívoca, então o que seria? Fica aí uma boa reflexão.

Matemática moral.

Imagem de matemática

Ouça o artigo:

Sabe aquelas decisões morais que parecem simples, mas, quando olhamos de perto, viram um nó na cabeça? Tipo escolher entre salvar uma pessoa na qual gostamos ou cinco desconhecidas? Pois é, eu sempre achei que essas questões eram sobre sentimento, empatia, caráter. Mas aí me deparei com uma ideia que me virou do avesso: usar matemática para resolver dilemas morais.

Num primeiro momento, parece frio demais, não é? Reduzir a vida de alguém a uma equação? Mas, conforme fui entendendo melhor essa tal de “matemática moral”, percebi que ela não vem para substituir a ética, e sim para dar um empurrãozinho onde nossa intuição costuma falhar.

Imagina uma pessoa num lago, com salva-vidas de cada lado. De um lado, cinco pessoas se afogando. Do outro, uma. A pessoa que você conhece há muito tempo. Para a maioria das pessoas poderia ser salvar cinco pessoas. Simples? Nem tanto. Esse exemplo é só uma pontinha do iceberg. 

A matemática moral entra aí para mostrar que, às vezes, decisões morais envolvem mais do que o “instinto de fazer o bem”. Ela ajuda a quantificar, comparar, prever consequências. Não para desumanizar, mas para evitar decisões ruins baseadas em emoções confusas ou cenários mal calculados.

Tem umas armadilhas morais que todos nós podemos cair sem perceber. Por exemplo, tem gente que acha que é melhor se juntar a um grupo que já está ajudando centenas do que agir sozinho e salvar dez pessoas. Parece louvável, mas e se sua ajuda nem fizer diferença naquele grupo? Talvez salvar os dez sozinho fosse melhor.

Outro erro comum é ignorar chances pequenas. Vivemos desprezando eventos improváveis, tipo ganhar na loteria ou fazer a diferença numa eleição. Mas se a consequência for grande o suficiente, até uma chance minúscula merece atenção. Como votar, por exemplo. Pode parecer insignificante, mas se muita gente pensar assim...

Uma parte que me pegou foi sobre efeitos imperceptíveis. Tipo: se mil pessoas jogam uma gota d’água cada para ajudar soldados feridos, o resultado coletivo pode salvar vidas. Mas se essas mesmas mil pessoas derem um microchoque em alguém, o acúmulo pode matar. Aí entra a questão do todo versus a parte — o impacto individual pode parecer nulo, mas somado, vira uma avalanche.

É como quando jogam lixo na rua. “Ah, é só um papelzinho.” Mas se todo mundo pensar assim, pronto: cidade imunda.

Tem uma história que me fez pensar: na Segunda Guerra Mundial, os aliados usavam um computador analógico (o Norden Bombsight) para lançar bombas com precisão. O problema é que ele era tão sensível que qualquer diferença mínima nos dados mudava o resultado. Era preciso demais, a ponto de ser impraticável.

A moral da história? A matemática moral tem que ser sensível às circunstâncias, mas não tanto a ponto de travar. Tem que ser prática. Tem que funcionar no mundo real, onde tudo é cheio de incertezas.

Um exemplo engraçado (e bizarro) foi sobre a “pessoa de Boltzmann” — uma ideia da física que diz que, teoricamente, partículas poderiam se reorganizar sozinhas e virar uma pessoa viva, do nada. A chance disso acontecer é tão ridícula que ninguém dirige devagar para evitar atropelar uma pessoa que apareceu do nada no ar.

Por outro lado, atropelar um pedestre normal, que pode atravessar a rua de verdade, é uma possibilidade real. Então faz sentido dirigir com cuidado e não por medo de algo improvável, mas porque a chance, mesmo pequena, é concreta.

A vida é cheia de incertezas. A matemática moral tenta lidar com isso usando algo chamado “teoria da utilidade esperada”. Basicamente, você calcula a utilidade (ou benefício) de cada resultado possível, pondera pela probabilidade de acontecer e escolhe o que tiver a melhor média.

Um exemplo: o João prefere ganhar 1 milhão certo do que ter 50% de chance de ganhar 3 milhões. Porque, para ele, a diferença entre 1 e 3 milhões não é tão importante quanto a segurança de não ficar sem nada. Já a Maria, que precisa de 3 milhões prparaazer uma cirurgia que salva a vida dela, prefere arriscar. A utilidade dela é outra.

Agora pensa na Maria e no João decidindo doar dinheiro: salvar a floresta amazônica ou combater a pobreza? Se a gente conseguir calcular qual causa tem maior valor moral esperado, os dois deveriam doar para ela. Mas aí entra o problema: como podemos calcular isso com precisão? E se a floresta salva mais vidas a longo prazo? E se um pobre salvo agora for a chave para uma descoberta que salva milhões no futuro? Uma incerteza que reina.

Tem gente que defende uma ideia maluca (mas com lógica interna): que mesmo uma chance minúscula de um bem gigantesco (tipo salvar trilhões de pessoas no futuro) vale mais do que salvar milhões agora. Isso leva a umas decisões meio doidas, tipo investir bilhões em explorar o espaço enquanto tem gente morrendo de fome hoje. Esse pensamento é chamado de “fanatismo”. E o pior, ele nasce de uma aplicação matemática bem feita. A conta bate. Mas será que faz sentido moral?

A tal da ideia do “longotermismo” — pensar em ações que impactam não só nossos filhos, mas milênios à frente — parece nobre. Mas ela esbarra numa parede: a gente simplesmente não sabe o suficiente sobre o futuro. Quanto mais a gente tenta prever a longo prazo, mais nossas certezas viram fumaça. Tem até estudos mostrando que previsões muito distantes acertam menos do que chutes aleatórios. A matemática perde força quando a base de dados é zero.

O grande entendimento, para mim, foi essa: por mais poderosa que a matemática moral seja, ela não é uma bola de cristal. Ela serve para clarear o pensamento, reduzir o erro, dar um norte. Mas não para substituir o julgamento humano. Tem horas que o mais honesto é dizer: “não faço ideia do que vai acontecer”. Tipo aquela situação de investir em exploração espacial. É possível que dê certo? Sim. Mas também é possível que salvar vidas hoje seja o que vai criar o futuro brilhante que a gente sonha. Vai saber.

O que eu levo disso tudo é que a matemática moral não é um vilão gelado que ignora a humanidade das pessoas. Pelo contrário. Ela tenta mostrar que nossas emoções, por mais bem-intencionadas que sejam, nem sempre levam às melhores escolhas. E que, sim, existe valor em tentar entender o que é “melhor” com um pouco mais de rigor.

Mas também aprendi a respeitar os limites. Nem tudo que dá pra calcular deve ser calculado. E nem todo número bonito representa a realidade. Como diria Wittgenstein, o problema não é a lógica em si, mas quando a gente fica encantado demais com ela, a ponto de esquecer que, no fundo, estamos falando de pessoas, vidas, escolhas difíceis.

Pesquisas sobre β-hidroxibutirato(BHB) no corpo humano

Imagem do processo de cetonas

Ouça o artigo:

Eu já li muito sobre dieta cetogênica, jejum e metabolismo. Mas o que eu li nesse estudo me pegou de surpresa. Foi como se alguém tivesse revelado um "atalho bioquímico" que nosso corpo usa, escondido embaixo do nosso nariz, e isso é, para controlar o apetite e o peso. E tudo gira em torno de uma molécula que você talvez já tenha ouvido falar: o famoso β-hidroxibutirato, ou BHB.

Mas calma que a história vai além do que a maioria das pessoas sabe sobre cetose. Vamos entender como esse mecanismo funciona.

Você provavelmente já ouviu falar que o BHB é um dos principais corpos cetônicos produzidos quando jejua ou segue uma dieta cetogênica. O fígado transforma gordura em energia, e o BHB vira combustível para o cérebro, músculos e até o coração.

Só que o que esse novo estudo mostrou é que o BHB não serve apenas como “comida para cérebro”. Ele também pode se unir a aminoácidos e formar novas moléculas que ajudam a frear a fome e reduzir o ganho de peso. Isso mesmo. Ele não só alimenta como manda recado para o corpo parar de comer. É tipo um sinal químico natural do nosso organismo dizendo: “já temos energia o suficiente, pode dar uma pausa”.

Os cientistas descobriram uma rota nova, chamada de “shunt do BHB”. É como se fosse um desvio na estrada principal do metabolismo. Normalmente, o BHB é usado direto como combustível. Mas nesse caminho alternativo, ele se liga a aminoácidos — como a fenilalanina — para formar compostos inéditos, que estavam passando batidos até agora.

O principal deles é o BHB-Phe (β-hidroxibutirato conjugado com fenilalanina). Esse composto sozinho, quando injetado em camundongos obesos, fez os bichinhos comerem menos e perderem peso, mesmo sem mudar mais nada na dieta deles.

Por trás dessa rota está uma enzima que quase ninguém conhece: a CNDP2. Ela é a responsável por unir o BHB aos aminoácidos. E o mais surpreendente: quando os cientistas desligaram essa enzima nos camundongos, os bichos pararam de produzir o BHB-Phe e adivinha? Engordaram, mesmo comendo a mesma coisa e mesmo com altos níveis de corpos cetônicos circulando. Ou seja: não é só o BHB sozinho que importa. É o que o corpo faz com ele.

Os pesquisadores foram além. Testaram humanos, encontraram os mesmos compostos no sangue de pessoas que beberam uma dose de ésteres de cetona (aqueles suplementos de corpos cetônicos que viraram febre entre biohackers).

Ou seja, esse atalho metabólico não é só uma curiosidade de laboratório. Ele tá acontecendo aí dentro de você, agora mesmo, se você estiver em jejum ou em cetose. E isso abre um leque de possibilidades que vão muito além da dieta. Se você pensou: “Ah, então é só tomar BHB com fenilalanina e pronto, vou emagrecer!”, calma, vamos entender melhor.

Os cientistas testaram isso. Eles deram BHB sozinho, fenilalanina sozinha, e outras combinações parecidas. Nada funcionou tão bem quanto a molécula BHB-Phe pronta. Ela tem uma estrutura específica, e só a presença dela ativa certas áreas do cérebro responsáveis por regular o apetite.

Inclusive, eles mostraram que o BHB-Phe ativa neurônios do hipotálamo e do tronco cerebral, regiões-chave para a sensação de saciedade. Mas curiosamente, não são os mesmos neurônios ativados por outros hormônios como GLP-1 ou leptina. É uma via nova, independente.

Além da fenilalanina, o BHB também se liga à leucina, valina e metionina, aminoácidos bem conhecidos, inclusive por quem treina. Esses conjugados, chamados de BHB-Leu, BHB-Val e BHB-Met, também mostraram efeitos de redução de peso nos testes com animais.

Mas nem todos funcionaram. Conjugados com lisina, por exemplo, não deram o mesmo resultado. Então tem um padrão aí. Parece que a combinação com aminoácidos hidrofóbicos (os que não gostam de água) é a chave.

A parte mais chocante foi quando os cientistas mostraram que camundongos sem a enzima CNDP2 não só engordavam mais em cetose, como não conseguiam produzir os tais compostos mágicos.

Isso sugere que, talvez, em humanos também existam variações genéticas que afetam essa enzima. Imagina só: tem gente que entra em cetose, faz tudo “certo”, mas não tem os mesmos benefícios metabólicos porque não consegue fazer esse desvio do BHB acontecer. Isso explicaria por que nem todo mundo responde igual à dieta cetogênica. Os próprios autores do estudo levantam essa bola: e se o papel do BHB no corpo for muito maior do que imaginamos?

Porque até hoje pensávamos nele como um simples combustível alternativo, tipo a lenha que queima quando o gás acaba. Mas agora estamos vendo que ele pode agir como sinalizador, mensageiro e até regulador de fome e peso corporal.

É como se o BHB dissesse: “Ei, temos energia, podemos dar um tempo na busca por comida”. E ele faz isso não gritando, mas sussurrando nos ouvidos dos nossos neurônios, com compostos como o BHB-Phe.

Hoje, a maior parte dos tratamentos foca em cortar calorias, reduzir gordura ou usar medicamentos que imitam hormônios da saciedade. Mas essa nova linha aponta pra algo mais sutil: mexer no “idioma químico” do corpo. Falar com o cérebro usando moléculas que ele mesmo reconhece e produz naturalmente em certos contextos, como o jejum, a cetose, o exercício.

Talvez o futuro do controle de peso esteja mais ligado a ajustar o “fluxo metabólico” do que apenas contar calorias. A chave não seja tirar comida, mas ensinar o corpo a se autorregular de novo, como fazia antes da era dos ultraprocessados e da fome eterna induzida pelo marketing alimentar.

Essa pesquisa me deixou com a sensação de que o corpo humano tem uma sabedoria que a vivemos subestimando. Nós tentamos controlar tudo com números, macros, apps, mas esquecemos que existem rotas silenciosas, moléculas discretas e enzimas escondidas fazendo o trabalho duro por trás das cortinas.

Nos momentos de escassez, como durante o jejum ou a cetose, o corpo cria mensagens bioquímicas que dizem: “está tudo sob controle, não precisa comer agora”. E ele faz isso não com desespero, mas com elegância. Com moléculas como o BHB-Phe.

Eu, pessoalmente, fiquei com vontade de respeitar mais esses ciclos naturais. De usar o jejum não como punição, mas como um ritual que ativa sabedorias internas. De olhar pra cetose como algo mais profundo do que uma simples queima de gordura.

E quem sabe, no futuro, a ciência consiga desenvolver versões dessas moléculas pra tratar obesidade de forma mais humana, mais inteligente e menos agressiva. Já pensou um suplemento que imita o BHB-Phe? Ou melhor: um estilo de vida que ensina seu corpo a produzi-lo de forma natural?

Por enquanto, o que eu posso fazer é continuar explorando. Experimentando jejum intermitente. Ajustando minha alimentação pra estados metabólicos mais eficientes. E, acima de tudo, ouvindo meu corpo. Porque ele tá falando, só precisamos aprender a escutar.


Referências: