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O que ameaça a bolha da inteligência artificial

Microchip IA
 
Nos últimos meses, algumas das maiores empresas de tecnologia do planeta dispararam em valor. A sensação é de que a inteligência artificial, que vem ganhando velocidade como quem troca de marcha na estrada, pode transformar a vida diária de um jeito que, dez anos atrás, soaria exagero. Dentro da saúde onde a inteligência artificial detecta padrões antes do médico perceber, contratações mais rápidas quando o currículo não precisa se perder em pilhas, descoberta científica que cruza bases de dados como quem varre um oceano com um sonar. Dentro de tudo isso há expectativa no ar, e expectativa mexe com preços. A pergunta-âncora que nos acompanha daqui em diante é simples: o que estamos realmente comprando quando compramos IA?

A valorização recente de empresas que lideram essa corrida chama atenção, dentro disso, a OpenAI passou a ser avaliada na casa dos US$ 500 bilhões, um salto em relação ao número de outubro do ano passado. Outra como a Anthropic triplicou sua avaliação em um intervalo curto. O tom é de euforia, o tipo de euforia que costuma esvaziar salas e encher manchetes. Ao mesmo tempo, autoridades monetárias sinalizam cautela: o Banco da Inglaterra levantou a hipótese de uma “correção” rápida, correção de mercado é aquela queda brusca que ajusta preços quando crescem demais, como a conta de luz que vem alta e força o corte do ar-condicionado. O aviso não é sobre tecnologia em si, mas sobre o ritmo dos preços das empresas que a vendem.

É possível olhar para o painel de cotações e perguntar se esses valores são um reflexo de lucros presentes, mensuráveis no fim do trimestre, ou se são fruto de entusiasmo, confiança e um pouco de torcida sobre o que a IA poderá fazer amanhã. Em termos práticos: a avaliação de hoje representa a IA que existe ou a IA que imaginamos? A resposta definitiva costuma chegar tarde, quando a bolha estoura ou não estoura e a esta altura, os sinais já piscam.

Com o distanciamento do tempo, tudo que acontece durante uma bolha parece otimista demais. Experimente uma substituição: troque “IA” por “computadores” em manchetes recentes. Muita coisa fica ingênua de repente, como promessas de que a presença de máquinas resolveria, sozinha, problemas de gestão que ainda dependem de gente, processo e tempo. Prever o caminho de uma tecnologia em marcha, porém, é tarefa difícil. No ano 2000, havia quem imaginasse a internet como modismo que perderia fôlego, pouco antes de a bolha pontocom atingir o pico. O exagero na subida não impediu que a rede se tornasse infraestrutura básica do cotidiano, tão invisível quanto a água que corre no encanamento.

As bolhas, quando estouram, não mudam necessariamente o destino final da tecnologia. A internet não sumiu do mapa porque as ações caíram. O problema é que bolhas bagunçam a estrada. Preços desabam, planos de aposentadoria sentem o tranco, vagas desaparecem, investimentos produtivos viram poeira de curtíssimo prazo. Muitas dessas coisas acaba sufocada pelo barulho: projetos sólidos perdem espaço para apostas que rendem manchetes fáceis, e capital se concentra em poucos nomes, como se todo o futuro coubesse em meia dúzia de logotipos. Quem sente no dia a dia são pessoas de carne e osso sendo eles consumidores que veem serviços sumirem, operadores que encaram cortes de orçamento, gestores pressionados a justificar gastos que ainda não viraram resultado.

Hoje já existe ao menos um primeiro sinal clássico de bolha: a escalada veloz das avaliações. Se vier uma correção e os preços devolverem parte desse ganho, o enredo fica parecido com outros que já vimos. Se a subida seguir firme e sustentada, talvez estejamos diante de um novo patamar de mercado, onde a tecnologia de base como modelos, chips, datacenters, redes etc, podem se torna o eixo de uma economia inteira. Também há um cenário intermediário como as avaliações estabilizam e param de subir. O que acontece a partir daí depende da crença que sustentou a compra. Muitos investiram porque acreditou que o preço sempre subiria? Ou porque havia uma conta de lucro futura com premissas robustas?

Vale destacar do que é feita essa crença, quando o Banco da Inglaterra diz que as avaliações podem estar “esticadas”, a palavra importa. Aqui “Esticada” quer dizer que o elástico da expectativa foi puxado além do que os números atuais sustentam, como um caminhão que fica carregado demais e passa a gastar combustível que não estava nos planos. Investimento, no fundo, é uma aposta de que a IA vai aumentar a rentabilidade, sendo a rentabilidade, o dinheiro que sobra depois de pagar os custos das empresas envolvidas. Avaliações bilionárias sugerem apostas igualmente bilionárias de que, em algum ponto deste caminho, margens vão se abrir de maneira extraordinária.

Em alguns casos, essa aposta não se limita a ganhos graduais, mas mira algo mais radical como naa ideia de uma “superinteligência artificial”, jargão para designar um sistema com desempenho superior ao humano em praticamente todas as tarefas relevantes. A comparação simples ajuda, ela seria como contratar um time que trabalha 24 horas por dia, sem férias, aprendendo com cada tentativa, e que dirige caminhões, escreve relatórios, faz triagem hospitalar e ainda planeja rotas de navio sem errar a previsão de tempo. Se algo assim de fato surgisse e fosse distribuído de forma segura, o salto de produtividade seria gigantesco, com impacto direto em padrões de vida. E há algumas estimativas associando esse cenário a um valor agregado impensável. O investidor, ao comprar hoje, tenta reservar um pedaço possível desse amanhã.

Só que mercados não se movem apenas por planilhas impecáveis. Eles também se movem por medo e por gatilhos pequenos. Se, de repente, ganhar força a ideia de que os lucros prometidos não virão, muita gente tenta sair ao mesmo tempo. E não precisa de agulha grande para estourar balão. Às vezes, basta uma nota de rodapé, um contrato que atrasa, um sinal de que um cliente importante hesitou. O efeito trabalha como em uma fila de banco, um olha para o outro, desconfia, e logo a porta está cheia.

Vale recordar um trecho conhecido da história recente, no fim dos anos 1990, a possibilidade de acessar a internet sem dor de cabeça gerou um entusiasmo que abasteceu a bolha pontocom. Reportagens populares, do tipo que circulava na sala de espera do dentista, avisaram que muitas empresas estavam ficando sem dinheiro. Bastou isso para uma parte dos investidores médios, pessoas que não vive de mercado, que equilibra o medo de perder a oportunidade com o receio de apostar em algo pouco compreendido. Quando esse público muda de ideia, o fluxo muda.

Apesar da escalada de avaliação, há relatos de que OpenAI ainda não opera no azul. Estimativas sugerem que seria necessário um volume de receita várias vezes maior para virar a chave da lucratividade. Ao mesmo tempo, circula a informação de que a empresa teria registrado perdas bilionárias no primeiro semestre do ano. Isso não significa que a tecnologia não preste, significa que o modelo de negócios ainda busca equilíbrio. Uma fatia do valor atribuído à empresa parece vir de arranjos com fornecedores estratégicos de chips, em que investimentos de um lado garantem compras do outro, circularidade financeira é quando o dinheiro entra por uma porta e sai pela outra para sustentar uma estrutura que precisa de fôlego até as receitas chegarem e isso funciona por um tempo. Em algum momento, porém, os investidores vão pedir retorno palpável.

O quadro não é exclusivo de uma empresa. Muitas firmas de IA, neste momento, não parecem consistentemente lucrativas. O dinheiro que entra não está recompensando os prejuízos de hoje, ele compra uma chance de participar de uma fronteira que promete margens futuras. É um jogo legítimo, habitual em inovação de base, mas que exige disciplina para separar o que já entrega valor do que está no campo da aposta. Consumidores, operadores e gestores sentem essa distinção no cotidiano sendo o cliente que paga por um serviço quer estabilidade e clareza de preço, o engenheiro que opera um modelo quer previsibilidade de custo de inferência e o gestor que assina contrato quer saber quando o projeto deixa de queimar caixa.

Há caminhos para que a lucratividade aconteça. Novas frentes comerciais aparecem. Uma delas é o uso de IA para publicidade, a publicidade aqui é recomendação paga, quando um sistema sugere um produto ou serviço dentro de uma conversa, como o atendente que, no balcão, oferece o filtro de água junto com a cafeteira. Há também a possibilidade de chatbots indicarem produtos com base no contexto do diálogo. O cuidado está no modo de fazer, sendo a experiência digital recente está repleta de “padrões escuros”, expressão que descreve truques de interface que empurram o usuário a clicar onde não queria, como quando o site do hotel exibe “só mais um quarto disponível” para acelerar a compra. Modelos de linguagem podem aumentar a potência persuasiva dessas estratégias, e a linha entre serviço útil e manipulação fica fina. Transparência, rótulos claros, capacidade de optar por não ver certas recomendações sendo tudo isso vira parte do design de confiança.

Enquanto essas frentes comerciais se organizam, as gigantes de tecnologia como Meta, Alphabet, Microsoft, Amazon, despejam capital em infraestrutura de IA num volume comparável ao PIB de um país de médio porte. Não estamos falando de simples ajustes em plataformas de anúncios, e sim de blocos de concreto que sustentam a próxima década como data centers, redes de fibras, energia contratada de longo prazo, servidores com GPUs de ponta, parcerias para projetar chips. É investimento que não se justifica por modinha, ou ele prepara uma base para um ciclo de produtividade amplo, e então as receitas chegam, ou em algum momento a conta pesa. Se esse futuro a que essas obras servem entrar em dúvida, a bolha, caso exista, encontra o estalo.

O que estamos realmente comprando quando compramos IA? Um conjunto de capacidades que já economiza tempo em tarefas repetitivas, reduz fila em chat de atendimento, faz triagem de documentos e ajuda cientistas a gerar hipóteses mais rápido, também compramos promessas. E essas promessas são carros autônomos limpos nas ruas, médicos assistidos por algoritmos que não erram doses, cadeias logísticas que harmonizam caminhões no porto e navios no mar com matemática impecável. No meio disso, compramos também ruído, soluções genéricas aplicadas a problemas específicos, custos de computação que não fecham, expectativa de que com mais dados e mais força bruta tudo se resolve. Sendo que haverá ganhos e também limites.

Nas empresas, o sinal de que a aposta é madura aparece quando três perguntas têm resposta coerente. Primeira: qual processo de trabalho muda de fato, com indicador e prazo? Segunda: qual custo marginal de rodar a solução por unidade de demanda — custo marginal é aquele gasto adicional para atender um pedido a mais — e em que ponto ele fica menor do que a alternativa humana ou híbrida? Terceira: onde está o risco regulatório e reputacional? Porque nada arranha mais uma marca do que um sistema que recomenda algo inadequado no momento errado. Se a área de produto consegue mostrar, com exemplos e números, que “o tempo médio de atendimento caiu de 6 para 3 minutos porque o modelo resume a conversa anterior e propõe a próxima ação”, a tese se sustenta melhor. Ou também se o gestor financeiro enxerga que “cada 1.000 requisições custam X e geram Y de receita contratada”, a discussão sai do achismo.

Para quem investe, um exercício de sanidade ajuda como separar o valor presente do valor opcional. Valor presente é aquilo que a empresa já sabe fazer e cobra por isso e valor opcional é o bilhete para um possível salto, como a adoção de um novo modelo mais eficiente que reescreve a base de custos. Quando o opcional vira quase tudo, o risco aumenta. E se o salto demorar um ano a mais? E o custo podendo subir de energia no período? E caso   o fornecedor de chips priorizar outro cliente? As respostas mexem não com teoria, mas com fluxo de caixa, com a conta que precisa fechar no fim do mês, com o bônus do time que esperava virada no quarto trimestre.

Pacientes querem ganho de qualidade em diagnósticos, sem vieses que prejudiquem grupos já vulneráveis. Profissionais temem substituição, mas topam ferramentas que removem tarefas maçantes e aumentam a autonomia. Pequenas empresas precisam de soluções com preço previsível, sem sustos como aqueles pacotes de dados que estouram sem aviso. Quem lida com a operação, a pessoa que monitora filas, que decide priorização, que acompanha indicadores, precisa de IA que explique por que sugeriu uma rota em vez de outra, e não de uma caixa-preta que só “acerta na média”. É aí que a confiança se constrói ou se perde.

Se houver uma correção forte de preços, ela não apaga a utilidade da IA que já se mostrou valiosa. Ferramentas que reduzem erros de digitação, que ajudam no controle de qualidade de código, que organizam documentos jurídicos por similaridade, continuarão úteis. O que muda é o barulho ao redor, a velocidade com que executivos decidem novos aportes, a disposição de migrar sistemas inteiros de uma vez. Algumas histórias recentes ensinam que ciclos mais calmos favorecem projetos bem definidos, com metas realistas, enquanto ciclos de euforia atraem slogans. E há sempre alguém vendendo o “motor mágico” que promete mais potência com menos combustível. Na mecânica real, o ganho vem de projeto, atrito menor, manutenção correta e em tecnologia, também.

Quem está no comando de orçamentos precisa de um mapa simples como priorizar casos de uso que tocam receita e custo com provas de conceito curtas, cuidar de governança de dados para evitar que modelos “aprendam” coisas que não deveriam, negociar contratos com gatilhos de preço que protejam a empresa de variações bruscas, e manter o time treinado para entender o que a ferramenta faz e o que ela não faz. Se a IA é para ficar, e tudo indica que é, o importante é desenhar o lugar que ela ocupa no processo. Como uma nova máquina no chão de fábrica, não basta comprá-la, é preciso reorganizar o fluxo ao redor, treinar operadores, rever manutenção, medir resultado. Só assim a promessa vira hábito que se paga.

Olhar para o quadro maior ajuda no ajuste fino das expectativas, sendo onda atual combina três elementos: poder computacional crescente, dados abundantes e algoritmos que se beneficiam de escala. Isso cria uma impressão de inevitabilidade: basta pôr mais máquinas e tudo melhora. A história mostra que não é tão simples e a eletricidade demorou décadas para elevar a produtividade porque as fábricas precisaram reorganizar sua planta, trocando eixos de transmissão por motores distribuídos. O desenvolvimento da computação pessoal levou tempo até que software e trabalho se alinhassem. A IA generativa ainda busca seus encaixes finos, os que resolvem dores reais, no tempo das pessoas e das organizações.

Voltemos para a pergunta: o que estamos realmente comprando quando compramos IA? Compramos eficiência onde ela já se comprovou, e coragem de experimentar onde há sinal de retorno, compramos também o risco de descobrir que em algumas áreas o ganho é menor do que parecia, e que a curva de aprendizado exige mais cuidado do que o slide de apresentação sugeria. Em períodos de euforia, lembramos pouco das operações que não podem parar como o caminhão esperando no porto, o call center que precisa encerrar ligações com clareza, o hospital que não tolera erro de triagem, e em períodos de correção, exageramos no freio. O equilíbrio não vem da fantasia de um futuro perfeito nem do pânico de uma queda de braço no mercado, ele vem de alinhar capacidade técnica, modelo de negócio e valor entregue.

Se as avaliações seguirem subindo, talvez se consolide um ciclo longo, puxado por infraestrutura e por aplicações maduras. Elas podem estabilizarem, sobreviverão os casos em que a matemática fecha. Se corrigirem, voltaremos a conversar com outra serenidade. Em todos os cenários, o teste é prático sendo a tecnologia melhora a vida de quem usa? O operador que passa turno no data center tem menos panes para resolver? A gestora que fecha orçamento enxerga previsibilidade no próximo trimestre? O consumidor que conversa com um assistente digital sente que é respeitado, informado e não manipulado? Quando essas respostas caminham na direção certa, os gráficos do mercado tendem a acompanhar, cedo ou tarde.

A euforia não dura para sempre, assim como a cautela excessiva não é destino. Enquanto o pêndulo oscila, cabe a cada empresas, reguladores, pesquisadores, investidores manter a régua no concreto. Métrica clara, custo transparente, ética aplicada, contrato que protege. Se ignorarmos, a oscilação do mercado nos lembrará, uma vez mais, que expectativa sem lastro pesa pouco quando a maré muda. 

Entendendo derivadas na matemática

Matemática

Se você já estudou matematicamente ou cálculo alguma vez você já tenha ouvido que “derivada” é um bicho de sete cabeças. Muitos se esbarram nesse tema e sente que passou de uma fronteira invisível: antes a matemática parecia tranquila, depois virou um labirinto. Eu quero aqui tentar clarear um pouco esse conceito. Aprender derivada não é um bicho de sete cabeça, e ela pode abrir várias portas para entender a matemática profundamente

Vamos começar por uma imagem mental, imagine uma curva qualquer desenhada num plano. Ela pode ser um arco de círculo, uma parábola suave, uma linha tortuosa que sobe e desce. Agora, pense em encostar uma régua nessa curva, de leve, num ponto específico. Há um único jeito de aproximar essa régua para que, naquele pedacinho minúsculo, a curva e a régua pareçam a mesma coisa. Essa régua encostada é a tal da reta tangente. E a derivada, nesse ponto, é a “inclinação” dessa reta. “Inclinação” aqui significa quão rápido a altura da curva muda quando andamos um pouquinho para a direita. Se a curva sobe rápido, a inclinação é grande; se desce, a inclinação é negativa; se fica “plana”, a inclinação é zero.

Por que isso importa? Porque a inclinação local revela a taxa de variação. Taxa de variação é um termo que vale a pena guardar e é ela que diz, em essência, quanto uma quantidade muda quando outra muda um pouquinho. Velocidade é uma taxa: mudança de posição por unidade de tempo. Aquecimento de um material é outra taxa: mudança de temperatura por unidade de energia. Crescimento populacional, difusão de um medicamento no corpo, depreciação de um equipamento, todos esses fenômenos ficam claros quando olhamos para as taxas certas.

Antes de mergulhar em fórmulas, mais uma intuição: se você liga dois pontos quaisquer da curva com uma reta, ganha uma reta secante. A inclinação dessa secante dá uma taxa de variação média entre os dois pontos. Se você empurra o segundo ponto cada vez mais perto do primeiro, a secante começa a “virar” a tangente. Esse “aproximar” é a ideia de limite: aproximar sem necessariamente tocar, mas capturar o que acontece quando a distância tende a zero. Nesse exato instante conceitual nasce a derivada.

Agora faça um experimento de pensamento que conversa com o dia a dia. Você dirige por uma avenida com dois laços indutivos enterrados no asfalto. Eles detectam seu carro ao passar. Se a distância entre os laços é conhecida e o tempo entre os acionamentos é medido, você tem a velocidade média naquele trecho. Se os laços estiverem bem perto, essa média se aproxima daquilo que queremos saber no instante: a velocidade instantânea. A matemática por trás do radar é justamente a ideia de secantes que viram tangentes quando encurtamos o intervalo. Derivada é isso: o limite da variação média quando o intervalo fica microscópico.

Dá para falar de derivada sem símbolos? Claro. Mas uma pitada de notação ajuda a organizar o raciocínio. Se a posição de um carro depende do tempo e chamamos isso de , a velocidade é a derivada . O acento costuma indicar derivada em relação ao tempo. Se a função é , a derivada vira ou . Essa fração não é uma fração de números comuns, mas um jeito de lembrar que estamos comparando mudanças: quanto muda quando muda um tiquinho.

Por que os livros insistem tanto na tal “reta tangente”? Porque, num bairro minúsculo ao redor do ponto, a curva se comporta como uma reta. Esse é o poder da linearização: aproximar o complicado pelo simples onde interessa. Engenheiros fazem isso para prever vibrações, economistas para analisar respostas a pequenos choques, profissionais de saúde para interpretar a subida ou a queda de um marcador clínico entre consultas. Em cada caso, a pergunta é a mesma: qual é a inclinação local?

Vamos dar corpo a essa intuição com um exemplo clássico: movimento com aceleração constante. Se a posição cresce como (que você pode pensar como “distância proporcional ao quadrado do tempo” sob uma aceleração constante), a velocidade cresce proporcionalmente ao tempo. Não precisa decorar, basta lembrar o significado: quando a inclinação da curva posição-tempo aumenta com o tempo, a velocidade cresce. E, se derivarmos outra vez, , obtemos a aceleração. Esse “derivar de novo” recebe o nome de segunda derivada. Em muitas áreas, a segunda derivada diz algo sobre a curvatura do fenômeno: se curva para cima, a segunda derivada é positiva; se curva para baixo, negativa; se está “reta”, zero.

Agora olhe para fora da física. Em epidemiologia, a taxa de novos casos por dia é a derivada do total de casos acumulados. Quando a curva acumulada se inclina cada vez mais, o surto acelera. Se a inclinação começa a achatar, o avanço perde força. Em farmacologia, a taxa de absorção de um fármaco no sangue, logo após a dose, é capturada por uma inclinação inicial. Em biologia do crescimento, a derivada de uma curva logística mostra o “pico” da expansão de uma população celular. Em economia, a derivada do custo total em relação à quantidade produzida é o custo marginal: quanto o custo aumenta se eu produzir uma unidade a mais. Um gráfico bem desenhado e uma boa pergunta sobre a inclinação já são meio caminho andado para uma análise sólida.

Surge então uma questão inevitável: o que acontece quando a curva tem pontas, quinas, degraus? A derivada pode não existir. Pegue o valor absoluto : a curva em forma de “V” tem quina no zero. À esquerda, a inclinação é -1; à direita, é +1. Não há um único valor que represente a inclinação naquele ponto. Em sinais com ruído, como batimentos cardíacos ou séries financeiras, quinas e oscilações rápidas fazem as derivadas “explodirem” numericamente. Os cientistas e engenheiros, nessas horas, alisam os dados com filtros ou ajustam modelos suaves antes de derivar. O mundo é contínuo em muitos níveis, mas nossas medições são discretas, granulosas. A derivada, na prática, exige respeito a essa diferença.

Há um ponto pedagógico aqui que considero interessante para entender melhor. Quando a derivada é apresentada apenas como uma fórmula a decorar, o sentido se perde. Quando ela é apresentada como uma lente para observar o mundo, o aprendizado ganha corpo. Pesquisas em educação matemática mostram que construir significado a partir de múltiplas representações como verbal, geométrica, algébrica e numérica, melhora a retenção e a transferência do conhecimento para problemas novos. Tradução para o nosso contexto: ver o gráfico, imaginar a reta, calcular com números, explicar em palavras. Reforçar a mesma ideia por caminhos diferentes evita que a derivada vire um ritual sem propósito.

Traga essa lente para situações menos clínicas e mais cotidianas. Ao cozinhar, a taxa de evaporação num caldo aberto depende da área exposta e da temperatura. Ao treinar corrida, a melhora de ritmo por semana é uma taxa; comparar essa inclinação em distintos blocos de treino ajuda a planejar descansos. No trabalho, uma equipe que aumenta produtividade com novas ferramentas vive uma fase de “inclinação positiva”; quando a curva estagna, o ganho marginal de mais uma ferramenta pode ser baixo. Pode parecer metáfora, mas é atenção a variações: que número muda, em que escala de tempo, com qual inclinação?

Esse olhar também serve para alertas, uma curva de produtividade plana pode indicar gargalos invisíveis. Uma curva de dores musculares que acelera sinaliza sobrecarga. Uma curva de gastos de projeto que infla repentinamente pede intervenção. Em todas as cenas, a pergunta é semelhante: qual a derivada agora? Perguntar pela derivada é perguntar pela saúde do processo.

Voltemos ao quadro com nossa régua encostada na curva. A derivada não entrega tudo sozinha, ela é local, diz o que acontece em torno de um ponto, e isso é justamente a sua força e sua limitação. Um carro pode estar com velocidade instantânea alta num instante e, logo adiante, frear. Uma empresa pode ter custo marginal baixo hoje e alto amanhã. A fotografia da inclinação precisa ser atualizada em cada ponto e essa característica exemplifica a beleza do método científico: medir, reavaliar, modelar, testar, medir de novo.

Quando a conversa muda de variáveis únicas para sistemas com muitas entradas, o raciocínio acompanha. Surge a derivada parcial: medir a variação de uma função quando só uma variável muda e as outras ficam fixas. Em nutrição, por exemplo, a taxa de mudança do nível de glicose no sangue pode depender do tempo desde a refeição, do tipo de alimento e da atividade física. Derivada parcial em relação ao tempo, mantendo dieta e exercício constantes, isola um efeito específico. Para políticas públicas, isso é ouro: entender que fator mexe mais com o indicador de interesse, num cenário dado.

Essa sofisticação desemboca, cedo ou tarde, no gradiente, o vetor das derivadas parciais, e ele aponta para onde a função cresce mais depressa. Em treinamento de modelos de aprendizado de máquina, algoritmos como a descida do gradiente caminham “ladeira abaixo” na superfície de erro até chegar a uma região de desempenho aceitável. Há também uma engenharia toda de “derivação automática”, uma técnica que calcula derivadas de programas complexos decompondo-os em pedaços simples, cada qual com derivadas conhecidas, e aplicando a regra da cadeia de forma sistemática. Se isso parece mágico, um software ajusta milhões de parâmetros, saiba que a mágica é, em parte, pura derivada.

Pode surgir a dúvida: como a derivada lida com comportamentos imprevisíveis? Em sistemas caóticos, pequenas diferenças nas condições iniciais se ampliam com o tempo. A derivada ainda existe localmente, mas previsões de longo prazo ficam frágeis. Em dados com ruído, a derivada amplifica variações aleatórias. Uma solução comum é suavizar a série antes de derivar, usando médias móveis, splines ou filtros de Savitzky–Golay. Uma segunda estratégia é focar em taxas médias em janelas curtas, aceitando que o “instantâneo” perfeito é uma idealização.

Gosto de reforçar um ponto que apareceu lá no começo: a derivada nasce do casamento entre geometria e variação. Não é só um número que sai de uma conta, e é uma medida de como o mundo se inclina no lugar onde você está olhando. Quando essa imagem se fixa, as fórmulas deixam de assustar, e ela ajuda a interpretar sensores urbanos, planejar um ciclo de estudos, improvisar uma estratégia de treino, ajustar um orçamento. Em qualquer domínio onde exista uma curva relacionando grandezas, vale perguntar pela inclinação.

Quer outro exemplo interessante de abordar é de onde isso aparece? Pense em café coado. A vazão depende da granulometria, da temperatura da água, da saturação do pó. Se você muda um parâmetro de cada vez e observa a taxa de variação da vazão, está literalmente medindo derivadas parciais. Se quiser otimizar o tempo total, vai seguir o gradiente: experimentar pequenas mudanças e ver se caminham em direção a um resultado melhor. Pode soar nerd, mas é uma forma elegante de tornar o cotidiano mais controlado e prazeroso.

Quando aprendemos a medir variações com cuidado, fica mais imune a gráficos enganosos. Uma curva que sobe, por si só, não diz se a velocidade de subida está aumentando ou diminuindo. Uma campanha que celebra “crescimento recorde” pode estar em desaceleração. Um alarmismo em rede social pode se ancorar em um único ponto com inclinação atípica. A derivada ensina a ler com calma, a pedir o contexto do entorno, a perguntar: “e a inclinação agora?”. Esse hábito eleva a qualidade do debate público e melhora escolhas privadas.

Como praticar sem complicações? Três sugestões diretas. Primeiro: olhe para qualquer gráfico e tente estimar mentalmente a tangente num ponto. Nem precisa de régua; basta imaginar a linha que melhor acompanha a curva naquele pedacinho. Segundo: quando vir duas medições em momentos próximos, calcule a taxa média. Se o intervalo for curto, você já tem uma aproximação da derivada. Terceiro: troque fórmulas por perguntas. Qual grandeza depende de qual? Em que escala de tempo ocorre a mudança? Que unidade tem a taxa? Essas perguntas organizam o pensamento, e aí as contas vêm por gravidade.

Há uma última peça que fecha o círculo. Em certas aplicações, a derivada ajuda não só a entender, mas a controlar fenômenos. Em engenharia de controle, por exemplo, um regulador PID usa termos proporcionais (estado atual), integrais (acúmulo) e derivativos (tendência) para ajustar um processo, como a temperatura de um forno ou a velocidade de um motor. O componente derivativo reage à inclinação: se a variável começa a subir rápido, ele freia para evitar ultrapassar a meta. É a derivada transformada em ação preventiva. No cotidiano, fazemos algo parecido sem perceber: se o copo está quase transbordando e o fluxo está acelerando, você já inclina a jarra para reduzir a vazão antes de derramar. A mente sente a derivada.

Talvez a maior recompensa de dominar essa ideia seja ganhar uma linguagem comum para descrever mudanças. Não importa se o objeto é um gráfico financeiro, um treino de ciclismo, um fermento na massa ou uma curva epidemiológica. A pergunta central é: como isso está mudando agora? Essa pergunta é a porta da derivada. Entrando por ela, você não só entende melhor o que vê como passa a agir com mais precisão. A régua encostada na curva deixa de ser um mistério acadêmico e vira ferramenta prática para quem vive no mundo real.

Se você guardou uma única imagem deste texto, que seja a seguinte: cada curva conta uma história, e a derivada é o tom de voz em cada palavra dessa história. Quando o tom se eleva, há urgência; quando abaixa, há sossego, quando se inverte, há virada. Aprender a ouvir esse tom no ponto certo é aprender a pensar com finura. 


Os problemas da IA com o conhecimento

Computador
Ouça o artigo:
Estamos atravessando uma catástrofe ecológica. Só que o bioma afetado não é a floresta amazônica, e sim o ecossistema digital da internet. O que antes parecia um território diverso, com nichos, ciclos e interdependências, começou a ser dominado por uma espécie recém-chegada. Não é metáfora gratuita. Quando um novo predador entra em um habitat sem resistências, a cadeia inteira se reorganiza, e quase sempre para pior.

Imagine um animal no topo da cadeia, lançado de repente na savana africana. Não um leão comum, mas algo que corre mais do que o guepardo, enxerga melhor do que a águia, não dorme e não sente culpa. O que acontece com a fauna?

Os herbívoros, mais lentos, desaparecem primeiro. Predadores intermediários definham, sem presa para caçar. A rede trófica se reconfigura ao redor do invasor. O mesmo está ocorrendo com a internet, agora. Assistentes de IA surgiram como superpredadores digitais. E estão redesenhando o ambiente à sua imagem. No lugar de antílopes e zebras, sites de informação começam a sumir. No lugar de hienas e chacais, agregadores e fóruns encolhem. Onde havia uma floresta de conhecimento, cresce um deserto polido de entretenimento contínuo.

Todo ecossistema gira em torno de um insumo escasso. Na savana, comida e água. No digital, a atenção humana, o tempo do usuário. Isso se chama economia da atenção (conjunto de práticas que disputam e monetizam o foco mental do público).

Antes da IA, a cadeia era longa: pesquisa, páginas de resultado, sites especializados, blogs, fóruns, portais, newsletters. Cada elo capturava uma fatia de atenção e repassava tráfego. Com a IA, a cadeia encurtou para dois nós: usuário → assistente. E pronto. Os demais elos se tornaram custo sem retorno.

Quando foi a última vez que você abriu a Wikipedia para ler um verbete inteiro? A enciclopédia segue como uma obra coletiva monumental. Só que, para muita gente, o caminho mudou: pedir um resumo bem moldado ao nível de compreensão, em segundos, parece mais prático. A IA às vezes erra nomes, autores, datas, porém quem confere? Em três anos, o tráfego da Wikipedia caiu 23%, uma queda rara para um site do topo. Pesquisadores a conectam diretamente à competição dos modelos de linguagem. Em março de 2025, o domínio chatgpt.com recebeu cerca de 500 milhões de visitas a mais do que a própria Wikipedia. O paradoxo dói: a fonte que alimentou a IA vai perdendo sangue para o produto que ela ajudou a treinar. Resultado? Um zumbi informacional (sistema que permanece no ar, mas perde vitalidade social e editorial).

Stack Overflow e fóruns técnicos eram oficinas de transmissão de ofício. Em abril de 2025, perguntas e respostas por lá caíram 64% em relação a abril de 2024. Por quê? Porque é mais rápido pedir à IA um passo a passo do que vasculhar meia página de discussão. Surge o vibe-coding (programar por sensação, costurando blocos sugeridos por IA sem dominar os fundamentos). Dá para lançar coisas, até quebrar. Quando quebra, a caixa-preta vira labirinto. E quem dominava o ofício nota que já não recebe as perguntas que faziam a cultura técnica avançar. Ironia maior: esses fóruns foram fonte de treino para os modelos. Agora, o aluno aperta o pescoço do professor.

As pessoas querem saber o que aconteceu hoje, só que acessar o portal da agência não é mais requisito. O assistente já compila o essencial de dezenas de fontes. Em tempo quase real. Para que ler cinco textos do mesmo evento se um resumo costura a foto completa em um minuto? O jornal vira agricultor que planta o grão e vê outro ensacar e vender com sua própria marca. Análises de fôlego? A IA já emula um tom analítico. Entrevistas? O assistente vasculha redes sociais. Sobram exclusivas de alto nível, nicho pequeno. Não por acaso, conglomerados de mídia acionaram processos bilionários por uso indevido de conteúdo. Captaram cedo que a relação “parceiro” virou “forragem”.

Plataformas de vídeo curto e longo não só resistem: prosperam. Elas não vendem informação. Vendem afeto e estímulo (respostas emocionais mensuráveis como riso, espanto e ternura). O produto é tempo bem gasto ou pelo menos bem preenchido. Por enquanto, IA não tem carisma para o vídeo cotidiano perfeito. Mesmo assim, surgem os primeiros influenciadores sintéticos (personas inteiramente geradas por modelo, com voz e rosto sintéticos).

Muita gente não vai a fóruns por respostas, e sim por interação. Brigar, trocar memes, pertencer. A IA explica “como consertar o vazamento”, mas não devolve a graça da réplica espirituosa nem o calor de um debate inútil. O risco? Metade dos perfis virar bot. Quando memes, piadas e tretas forem indistinguíveis dos humanos, o encanto social pode esfarelar.

Bancos, e-commerce, reservas, serviços públicos seguem de pé porque tocam a realidade (operações com consequência material, financeira ou jurídica). Classificados, bibliotecas digitais e apps de relacionamento também vivem, por ora. A mordida da IA chega pela borda: chatbots que resolvem cadastro, marcam mesa, cotejam apólices. Falta pouco para o assistente aceitar o anúncio, achar o comprador ideal e convencê-lo com argumentos sob medida.

Cresce o espaço dos jardins murados (ecossistemas fechados por assinatura). Cursos, grupos privados, masterclasses, Slack seletos. Por quê? Porque se protege do rastelo das IA. O saber circula com controle de cópia e contexto. Só que avaliar o valor real lá dentro é difícil. Sem escrutínio público, a qualidade pode virar promessa cara.

Antes, o usuário comparava links no buscador e montava o juízo. Agora, o assistente escolhe o que é fonte autoritativa (recurso classificado como confiável por critérios algorítmicos). Quem decide que um jornal de Nova York vale mais que o blog de um repórter independente? Quem define que o professor de Harvard pesa mais que a médica de uma cidade pequena? Quem declara que inglês “vale” mais que russo ou português?

Forma-se uma hierarquia algorítmica de autoridade, só entra nela quem o modelo considera citável. É um tipo novo de censura: não se proíbe a palavra, rebaixa-se sua importância. O usuário, colado à janela do assistente, não percebe o quanto o mundo tem de arestas e dissenso. Motores de busca ainda abrem a possibilidade de ver o resto; já com a resposta pronta, a pluralidade se estreita.

Vem outro problema: perda de contexto. A IA corta e cola trechos, diluindo ressalvas. Saúde sem contraindicação vira receita. Norma jurídica perde exceções. Descoberta científica perde escopo de validade (limites em que uma conclusão se mantém). Imagine um clínico tratando só por quadros de resumos, sem o capítulo inteiro. É isso que a produção sintética faz com o saber: transforma capítulos em fragmentos perigosos.

A internet foi erguida sobre publicidade. Sites pagam as contas com banners; buscadores com anúncios de busca. Se o usuário não visita páginas, quem vê os anúncios? Se a resposta chega pronta, quem precisa rolar por listagens patrocinadas? O dinheiro migra para onde está a atenção: os donos dos assistentes. Não por acaso, surgem anúncios dentro dos próprios resumos de IA. O novo ecossistema passa a caber em poucas mãos. E, quando o assistente virar navegador, suíte de escritório e camada de interface para tudo, vira ponto único de entrada e de captura de valor.

Aqui está o nó: a IA enfraquece as fontes de onde aprendeu. É o lobo que acaba com os cervos e colhe, adiante, a própria fome. Imagine a web daqui a dez anos. De onde os modelos seguintes aprenderão? De textos gerados por modelos anteriores?

Surge a endogamia digital (inbreeding): um sistema que recicla a si mesmo e perde diversidade. O estilo fica médio, previsível, formulaico. A água estranha do ecossistema, erros humanos criativos, analogias tortas, conexões improváveis, evapora. Empata com outro processo: entropia de conteúdo (tendência de grandes volumes textuais convergirem para padrões indistintos). Enquanto ferramentas despejam redações impecáveis e vazias, buscadores perdem referência do que importa. Há filtros contra spam de IA, só que pegam o que há de mais óbvio. O resto passa e cinza a paisagem. A internet vira pântano morno: bonito de longe, pobre de vida.

Um predador que reconfigura a savana precisa do tapete de espécies de base para continuar respirando. Sem herbívoros, sem solo, sem água, ele reina sobre um vazio. A IA, se não reabastecer o berço que a criou, acabará bebendo na própria sombra.

Para onde caminhamos? A internet se desloca de biblioteca global para parque de diversões global. Justiça seja feita: só uma parte dela foi biblioteca em algum momento. Lixões digitais, fazendas de SEO, jornais comprados, fóruns moderados até travar, portais setoriais vendendo rankings, pornografia, laboratórios de arte e loucura, tudo isso também compôs o mosaico. Ainda assim, havia diversidade. Cada pessoa achava o seu canto. Às vezes malvisto, às vezes genial. Agora, o canto tende a ser inundado por conteúdos iguais, articulados por vozes que soam como bots. Visitas rareiam. E o horizonte que já foi oceano vira janela confortável do assistente.

É inevitável? Existe freio possível? Pode ser que o primeiro passo seja revalorizar o ato de ler a fonte, não só o resumo. Comparar pontos de vista, estudar método, sustentar opinião própria com lastro. Reaprender o valor de subjetividade responsável (assunção explícita de perspectiva, com transparência de limites) e de erro humano necessário.

Como apoiar os santuários do velho ecossistema, lugares em que pessoas ainda brigam, acertam e criam algo único? Políticas públicas? Cotas de exposição de sites em respostas de IA? Um imposto de solidariedade algorítmica que devolva recursos às fontes? É difícil imaginar desenho e enforcement. E mesmo que venha, há sempre o risco de engessar inovação e premiar só quem já é grande.

Outra via é aceitar a maré e treinar habilidade crítica para navegar por ela. Se a autoridade algorítmica vai mediar muita coisa, o usuário pode responder com hábitos simples e potentes: abrir o link original quando importa; pagar por algumas assinaturas que se provaram úteis; participar de comunidades que produzam valor real; exigir transparência mínima sobre “de onde veio essa afirmação?”. Parece pouco, mas ecossistemas inteiros se sustentam em decisões distribuídas.

A pergunta incômoda fica por último: o que acontece com uma espécie que para de caçar e passa a receber comida sempre pronta? Extinção não é o único caminho. Muitas vezes, vem a domesticação. Fica mais confortável. Perde-se garra, ganha-se previsibilidade. Queremos isso para o conhecimento? Queremos isso para a conversa pública? Nem toda savana precisa de um superpredador. Às vezes, ela precisa de sombra, de água corrente e de espaço para as espécies menores respirarem de novo.

Thomas Midgley Jr e o preço do progresso

Ethyl
Ouça o artigo:

Um único pesquisador ganhou fama por resolver problemas difíceis e, sem querer, plantou dois dos maiores desafios ambientais do século XX. Falo de Thomas Midgley Jr., engenheiro químico ligado ao laboratório de Charles F. Kettering na General Motors. Dois produtos que ele ajudou a colocar no mundo cruzaram fronteiras, entraram em casas e pulmões, e mexeram com estatísticas de saúde, educação e comportamento. O terceiro invento, um sistema de cordas para ajudá-lo a sair da cama quando já estava doente, virou ironia amarga: foi o mecanismo que o enredou e tirou sua vida. Como esse roteiro se construiu? O caminho passa por motores barulhentos, cristais minúsculos, partículas invisíveis e decisões corporativas embaladas por otimismo industrial.

Começo pela pergunta que incomoda: por que um aditivo considerado brilhante para acabar com a “batida” de motor virou sinônimo de veneno atmosférico? “Batida” é o apelido da detonação, quando a mistura ar-combustível se inflama antes da faísca por compressão elevada, gerando ondas de pressão desordenadas e ruído metálico. Isso rouba potência, piora consumo e danifica cilindros. Para domar o problema, a engenharia buscou ajuda na química.

A estratégia técnica se apoia na octanagem (resistência do combustível à autoignição). Na escala de referência, o isooctano ocupa o topo; o n-heptano, a base. Motores mais comprimidos rendem mais, desde que a mistura não se inflame sozinha antes da hora. Guarde a imagem simples: quanto maior a octanagem, menor a chance de detonação caótica dentro do cilindro.

No início do século XX, Detroit fervilhava. A adoção do arranque elétrico ganhou tração depois da morte do empresário Byron J. Carter, atingido por uma manivela ao tentar dar partida num carro, episódio que sensibilizou Henry M. Leland, da Cadillac, a buscar uma solução menos perigosa. O arranque elétrico de Kettering apareceu em 1912 no Cadillac Model 30 e elevou o patamar dos motores, ampliando compressão e, por tabela, a propensão à detonação. Começou a caça a aditivos “anti-batida”. Testaram cânfora, solventes diversos e etanol. O etanol funcionava, mas exigia proporções altas que não empolgavam os fabricantes.

A resposta que dominaria por décadas ganhou quatro sílabas: tetraetilchumbo (TEL). A molécula, com chumbo no centro, alterava a cinética da combustão e elevava octanagem em doses minúsculas. Barato, miscível, sem cheiro forte, parecia triunfo. Midgley demonstrou o efeito sob a tutela de Kettering; GM, Standard Oil e DuPont formaram a Ethyl Corporation para explorar o mercado. Em linguagem publicitária, era progresso. Em linguagem de saúde pública, a semente de um problema planetário.

Por que um metal tóxico se espalha tanto ao ser queimado? As partículas finas formadas na combustão viajam no ar, assentam no solo, entram em água e alimentos. O chumbo engana transportadores celulares por mimetizar o cálcio, acumula em ossos por anos e pode voltar à circulação em períodos de estresse fisiológico. No cérebro, afeta a bainha de mielina (revestimento isolante do axônio) e interfere em neurotransmissores. Em crianças, doses pequenas geram impactos grandes: atraso de linguagem, queda de desempenho escolar, mudanças de comportamento. A pergunta decisiva é direta: existe nível seguro? A resposta que a ciência consolidou é seca: não há nível seguro conhecido para crianças.

Esse veredito não veio por palpite. Veio do trabalho obstinado de outro cientista, Clair Cameron Patterson. Químico e geocronologista, ele dominava espectrometria de massa (instrumento que separa íons pela razão massa-carga) e queria responder uma pergunta ousada: qual a idade da Terra? Em geocronologia, certos minerais funcionam como relógios. O urânio decai até chumbo estável; a razão entre pai e filho revela tempo. Zircões — cristais que nascem com traços de urânio e zero chumbo — são ideais, pois qualquer chumbo medido depois veio do decaimento. No papel, era simples. No laboratório, as leituras de chumbo estavam absurdamente altas. O intruso não estava no cristal, estava em toda parte.

Para medir com precisão, Patterson teve de inventar a sala limpa moderna: ar filtrado, pressão positiva, superfícies lavadas, soldas sem chumbo, roupas integrais. Dentro desse casulo, o relógio das rochas voltou a funcionar. Como as rochas mais antigas da Terra foram recicladas por tectônica, a resposta veio dos meteoritos, irmãos de berçário do Sistema Solar: ~4,55 bilhões de anos. Com o método validado, Patterson virou a lente para o ambiente. Achou chumbo recente em excesso no oceano superficial. Depois leu a história em núcleos de gelo da Groenlândia e Antártica: picos ligados a mineração antiga e, no século XX, uma escalada compatível com a queima de combustíveis aditivados.

A partir daí, a pergunta social ficou inevitável: se o chumbo estava em todo lugar, o que ele fez conosco? Ossos e dentes modernos carregavam muito mais chumbo do que os de antepassados. Dentes de leite mostravam que níveis antigos, então considerados “aceitáveis”, já vinham associados a perda de QI e desvantagem escolar. Pesquisadores como Bruce P. Lanphear e David C. Bellinger ajudaram a quantificar o impacto cognitivo em faixas baixas de exposição, reforçando que a curva dose-resposta é traiçoeira. Políticas públicas foram apertando limites à medida que as evidências se acumulavam.

Outra frente que tocou sensibilidades foi a curva do crime. Em diversos países, a violência cresceu por duas décadas e depois caiu de modo acentuado. Análises de Rick Nevin, Jessica Wolpaw Reyes e outros mostraram que o desenho temporal lembra a trajetória do chumbo no sangue infantil, deslocada alguns anos. Ninguém sério reduz comportamento humano a um único elemento químico. Só que a hipótese ganhou plausibilidade biológica e estatística quando estudos com chumbo ósseo em adolescentes apontaram maior risco de delinquência em quem carregava mais metal no corpo.

Em adultos, o foco saiu do cérebro e foi parar no endotélio. O chumbo endurece artérias, induz inflamação, eleva pressão e favorece placas. Em análise de coorte, Lanphear e colaboradores estimaram centenas de milhares de mortes cardiovasculares anuais nos EUA atribuíveis a exposições consideradas “baixas”. Em série histórica, isso vira dezenas de milhões. No cenário global, relatórios de UNICEF/Pure Earth alertam que uma fração imensa de crianças ainda hoje apresenta concentrações preocupantes, muito por reciclagem inadequada de baterias e passivos industriais que teimam em ficar.

“Mas não era só melhorar motor?” A pergunta é justa. Midgley fez parte de uma façanha técnica real, com métricas de desempenho claras. O que não entrou na conta, na época, foi a toxicologia. Houve alertas iniciais, nomes como Alice Hamilton e Yandell Henderson advertiram nos anos 1920 sobre a periculosidade do TEL —, mas prevaleceu a visão tranquilizadora de Robert A. Kehoe, que defendia thresholds “seguros”. A história mostra como incentivos econômicos modulam o que escutamos. Um aditivo eficiente em traços rende patentes e margens generosas. Etanol seria alternativa em muitos cenários, só que menos lucrativa dentro daquela arquitetura industrial.

O mesmo Midgley assinou outro capítulo crucial: a era dos clorofluorcarbonetos (CFCs). Em busca de um gás refrigerante não inflamável e menos tóxico que as opções da época, a equipe de Kettering, com Midgley em papel central, introduziu moléculas estáveis e eficientes para geladeiras e sistemas de ar. Mais tarde, Mario J. Molina e F. Sherwood Rowland demonstraram que a estabilidade que parecia virtude na troposfera virava risco na estratosfera: sob ultravioleta, os CFCs liberam cloro reativo que catalisa a quebra do ozônio, a camada que filtra radiação nociva. A descoberta do “buraco” antártico por Joseph Farman, Brian Gardiner e Jonathan Shanklin transformou a química atmosférica em diplomacia. O Protocolo de Montreal entrou em cena, e a recuperação, lenta, já é mensurável.

Curioso notar a diferença de respostas. No caso dos CFCs, a reação global foi relativamente rápida depois que os mecanismos foram esclarecidos. No caso da gasolina com chumbo, a retirada levou décadas, com países em tempos distintos. O último combustível automotivo com chumbo caiu apenas em 2021. Ainda resta uma fonte ativa e relevante: a aviação a pistão, que usa gasolina 100LL. Estudos em comunidades ao redor de aeroportos mostram níveis sanguíneos mais altos em crianças expostas. A transição para combustíveis sem chumbo já tem via técnica, mas precisa acontecer de verdade.

Volto ao laboratório de Patterson. A obsessão por medições limpas ensinou algo além da idade da Terra. O modo como perguntamos contamina o que respondemos. Quando limpamos o ruído, o sinal aparece. E o sinal, aqui, foi duro: um planeta recoberto por uma película de chumbo fabricada por decisão humana. Um geocientista que queria números confiáveis acabou armando o caso científico que ajudou a desintoxicar a atmosfera.

O recado é simples e incômodo, princípio da precaução (testar exaustivamente antes da adoção massiva), políticas que resistem a lobbies apressados e monitoramento epidemiológico atento. Quando uma curva insiste em subir — hospitalizações, biomarcadores, queixas em escolas —, a curiosidade científica precisa ter licença para refazer perguntas que incomodam.

E aquela terceira invenção? Já doente, Midgley montou um sistema de cordas e polias para se erguer da cama. Morreu enredado nele. Casualidade explica a tragédia, não explica os desastres químicos. A imagem, porém, funciona como metáfora: soluções engenhosas viram laços quando o todo fica fora de quadro. É injusto reduzir uma pessoa aos piores efeitos de suas criações, como é ingênuo celebrar só as vitórias técnicas. O saldo ético aparece quando externalidades entram na conta.

 Neurotoxicidade precoce esculpe trajetórias. Famílias, escolas e sistemas de justiça sentem o impacto de decisões tomadas décadas antes em conselhos de administração. O cérebro em desenvolvimento não negocia com moléculas que atrapalham sinapses; adapta-se como dá, a um custo que espalha desigualdade. Em certos lugares, esse dossiê ainda precisa ganhar voz política.

Quando uma solução parece perfeita, quem lucra e quem carrega o risco? Quando um produto exige nova infraestrutura de medição para revelar o dano, quem paga por ela? Quando os efeitos atravessam gerações, modelos de custo-benefício dão conta? Às vezes a resposta técnica existe, mas esbarra na dinâmica de poder previsível. Em outras, faltam dados. Incerteza não é permissão para paralisia; é convite para medir melhor.

Para fechar pelo ângulo que importa: não há dose segura de chumbo para crianças. Essa frase seca resume por que uma solução “genial” no curto prazo se converteu, décadas depois, em política pública no sentido oposto. Se o risco recai sobre cérebros em formação, a decisão precisa priorizar proteção ampla mesmo quando o custo imediato parece mais visível que o benefício. Progresso de verdade se mede por essa aritmética moral, uma lição que leva os nomes de Thomas Midgley Jr., Charles F. Kettering, Byron J. Carter e Clair C. Patterson, entre tantos outros que, por ação ou por teimosia científica, mudaram o curso da história.


Referências:

Charles F. Kettering and the Development of Tetraethyl Lead in the Context of Alternative Fuel Technologies — https://www.sae.org/publications/technical-papers/content/941942/

Standard Test Method for Research Octane Number of Spark-Ignition Engine Fuel — https://store.astm.org/d2699-21.html

Exposure to lead: a major public health concern: preventing disease through healthy environments — https://www.who.int/publications/i/item/9789240078130

A pharmacokinetic model of lead absorption and calcium competitive dynamics — https://www.nature.com/articles/s41598-019-50654-7.pdf

Intellectual Impairment in Children with Blood Lead Concentrations below 10 µg per Deciliter — https://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMoa022848

The association between lead exposure and crime: A systematic review — https://journals.plos.org/globalpublichealth/article?id=10.1371%2Fjournal.pgph.0002177

Bone lead levels and delinquent behavior. — https://europepmc.org/article/MED/8569015

Thomas Midgley, Jr., and the invention of chlorofluorocabon refrigerants: It ain't necessarily so — https://www.ideals.illinois.edu/items/134735

O enigma da estrela anã TRAPPIST-1

Trappist-1
Ouça o artigo:

Imagine observar uma estrela que, depois de uma erupção violenta, não volta exatamente ao estado de antes. O brilho basal sobe um degrau e permanece ali, estável, como se alguém tivesse removido um filtro escuro da frente da lâmpada. Em vez de encarar isso como ruído, um grupo de pesquisadores decidiu tratar o “depois do show” como o próprio objeto de estudo. A aposta: o clarão não deixa só calor passageiro; ele reconfigura a superfície, apagando parte de uma região magnética escura. TRAPPIST-1, a anã M8 com sete planetas, virou o laboratório perfeito para essa leitura indireta do magnetismo estelar e o Telescópio Espacial James Webb, a lente que faltava. 

TRAPPIST-1 é fria e pequena e para medir, pense numa lâmpada que entrega só 0,05% da luminosidade do Sol, com uma fotosfera por volta de 2.500 K. Três dos seus planetas ficam na tal “zona habitável”. Só que a estrela é ativa. Em todas as campanhas de trânsito com o JWST, apareciam “flares”, erupções magnéticas que fazem o brilho subir de repente. Quem estuda atmosferas de exoplanetas sabe o quanto isso complica tudo: manchas e faculares (regiões magnetizadas, mais escuras ou mais claras que o entorno) alteram o espectro de transmissão, e sinais do planeta parecem mudar de um trânsito para outro. O novo caminho escolhido aqui foi encarar o pós-erupção como pista de crime: se parte de uma região escura some durante o evento, a estrela deveria ficar, sim, um pouco mais clara depois que as linhas de emissão da erupção desaparecem. Foi exatamente esse degrau persistente que apareceu nas observações. 

Antes de mergulhar em TRAPPIST-1, vamos observar a estrela que está em nosso quintal. O Sol já mostrou esse comportamento de “faxina magnética”. Em 3 de outubro de 2024, um flare classe X9 varreu a penumbra de uma mancha solar bem observada. A sequência contínua de imagens no contínuo do Fe I em 6173 Å (instrumento HMI/SDO) mostrou a penumbra encolhendo durante a passagem das fitas do flare, e, integrada sobre a região, a intensidade de fundo ficou mais alta depois do evento. Não significa que o campo magnético sumiu do nada, a literatura descreve reconfigurações rápidas, mudanças de orientação e submersão de fluxo. O ponto didático é que a “desaparição” observável da penumbra aumenta o brilho local. E isso cria uma analogia poderosa para interpretar estrelas que não podemos resolver em detalhe, como TRAPPIST-1. 

Voltemos ao alvo frio e pequeno. Com o modo SOSS do NIRISS (0,6–2,8 µm, resolução espectral ~700), quatro erupções foram analisadas em janelas temporais que incluíam ao menos 1,5 hora depois do pico. A rotina foi clara: separar pré-erupção, máximo da erupção, fase de decaimento e pós-erupção; excluir trechos em trânsito planetário; integrar o fluxo total no espectro e acompanhar a linha de Hα (a transição do hidrogênio em 656,28 nm, um traçador clássico de atividade magnética). Em todos os casos, o fluxo total no pós-erupção ficou sistematicamente acima do pré-erupção, enquanto as linhas de emissão características do flare desapareciam. Em uma das sequências mais longas, o próprio Hα caiu abaixo do nível de base, como se a fonte emissiva associada à região que sumiu tivesse sido retirada de cena. 

Aqui vale um esclarecimento. O que, exatamente, diferencia “flare” de “pós-flare” em termos espectrais? Durante o pico, o espectro ganha um contínuo mais quente, principalmente nos comprimentos de onda curtos, acompanhado por linhas de emissão fortes: Hα, He I em 1,083 µm, séries de Paschen e Brackett. Já no platô que interessa, o contínuo volta a um perfil frio e as linhas despencam para níveis não detectáveis. Se fosse apenas “rabo” de erupção, seria comum ver persistência de Hα e um decaimento suave, não um patamar. A quebra na correlação entre o fluxo total e Hα no pós-evento reforça essa interpretação: durante o flare, os dois variam de mãos dadas; ao final, se separam. Isso é uma assinatura elegante de que o fenômeno dominante mudou de natureza. 

Agora a sacada metodológica, se a região escura desaparece, o que se mede como “pós-erupção menos pré-erupção” é precisamente o espectro daquela região desaparecida, com sinal trocado. Em outras palavras, o que está faltando depois é o que estava lá antes. Ao construir essa diferença ao longo de 0,6–2,8 µm, os autores obtiveram o que pode ser considerado o primeiro espectro direto de uma feição magnética em uma anã M8. A surpresa foi a semelhança com o espectro da própria fotosfera: a feição não era “negrume absoluto”, mas apenas um pouco mais fria. Ajustes simples com uma função de Planck, usados aqui como aproximação ilustrativa, porque feições magnéticas reais não são corpos negros perfeitos, deram temperaturas entre ~2367 e 2523 K. Isso coloca as regiões escuras apenas algumas centenas de kelvins abaixo da fotosfera de TRAPPIST-1. Faz sentido para estrelas tipo M, em que os contrastes térmicos de manchas tendem a ser menores que em estrelas mais quentes. 

Quanto de área some para produzir o degrau de fluxo observado? Aqui entra uma degenerescência clássica: brilho depende de contraste e área. Uma região muito escura precisa de uma área pequena para o mesmo efeito; uma penumbra, mais clara, teria que cobrir uma fração maior. Explorando três cenários didáticos, “mancha negra” idealizada, umbra e penumbra, as estimativas de área projetada que desapareceu variaram de ~0,06–0,09% do disco visível (caso negro) a ~0,19–0,29% (umbra) e ~1,0–1,5% (penumbra). Para quem gosta de ordem de grandeza, esses números conversam com estimativas independentes de cobertura de manchas inferidas por modelagem da variabilidade espectral e da contaminação em trânsitos no mesmo sistema. 

Um passo atrás para organizar as peças. “Mancha estelar” é o termo-guarda-chuva para regiões magnetizadas mais frias que a fotosfera. Por convenção, a parte central mais escura é a umbra e a faixa ao redor, menos escura, a penumbra. Campo magnético intenso suprime a convecção local (o “borbulhar” que transporta calor para a superfície), daí a temperatura menor. “Flare” é o estouro de energia quando linhas de campo se reconectam na coroa, aquecendo plasma e produzindo emissão do ultravioleta ao infravermelho. E “Hα”? É uma linha de emissão do hidrogênio, útil por aparecer tanto em manchas solares quanto em anãs M, funcionando como um farol de atividade. O NIRISS/SOSS, por sua vez, é um modo do espectrógrafo do JWST desenhado para séries temporais durante trânsitos, cobrindo uma faixa ampla de comprimento de onda com fotometria estável. Tudo isso se encaixa no protocolo: medir antes, medir durante, medir depois, e tratar o “depois” como um diferencial limpo da topografia magnética superficial. 

Talvez a pergunta mais pragmática seja: por que se importar com a “faxina” que um flare faz na superfície? Porque exoplanetas são medidos de maneira indireta. O espectro de transmissão, a diferença entre a luz da estrela com e sem o planeta na frente, é sensível ao “estado” da estrela. Se a superfície tem uma colcha de retalhos de regiões mais frias e mais quentes, cada trânsito “vê” um fundo diferente. Sem conhecer o espectro dessas feições, toda tentativa de limpar a contaminação estelar fica manca. Com TRAPPIST-1, isso ganhou peso, já que vários programas no JWST tentam detectar moléculas em atmosferas finíssimas de planetas menores que a Terra, e a atividade da estrela tem atrapalhado as leituras. O método do pós-flare abre um caminho para medir diretamente o espectro de uma feição magnética e alimentar modelos de correção que até ontem dependiam de suposições. 

Outra vantagem de trabalhar com TRAPPIST-1 é geométrica. Por ser minúscula, a área do disco é cerca de 70 vezes menor que a do Sol, qualquer reconfiguração local pesa mais no fluxo integrado. Algo que no Sol se perderia na média de todo o disco, em TRAPPIST-1 fica aparente. É como trocar um adesivo escuro numa lanterna pequena versus numa lâmpada de poste: a primeira vai mostrar um salto no brilho com a remoção; a segunda, nem tanto. A equipe notou que o pós-erupção se torna identificável sempre que se tem pelo menos 1,5 hora de dados depois do máximo do flare, o suficiente para as assinaturas quentes e de linhas de emissão sumirem, deixando só a marca estrutural. Esse detalhe operacional virou parte do manual para achar o fenômeno. 

Há, claro, uma zona cinzenta inevitável. Poderia o platô ser apenas um “rabo” muito longevo do flare? A comparação com estudos de erupções estelares mostra que continuação do contínuo costuma vir acompanhada por linhas persistentes, principalmente Hα. Nas sequências de TRAPPIST-1, as linhas somem enquanto o total estabiliza, e a correlação Hα-fluxo total, tão nítida durante o pico, colapsa depois. A interpretação de “desaparição de feição escura” ganha tração exatamente por combinar essas três evidências: espectro sem linhas, platô estável e dec acoplamento de Hα. Reforçar esse tripé é importante, porque o método todo se apoia nele. 

Um efeito colateral curioso aparece ao comparar o “espectro da feição” reconstruído com o espectro tranquilo da estrela. O máximo de energia dos dois fica próximo. Isso seria improvável se a feição fosse muito mais fria. Em anãs M, esse detalhe casa com uma visão emergente: os contrastes térmicos magnéticos são modestos. A diferença real que sustenta a observação não precisa ser extrema em temperatura; basta ser suficientemente ampla em área, caso a feição seja penumbral, ou suficientemente escura, caso seja umbral. De novo, área versus contraste, o velho dilema. A boa notícia é que as três hipóteses de contraste produzem intervalos de área que são fisicamente plausíveis para a estrela, o que dá confiança ao diagnóstico. 

No pano de fundo, há uma mensagem metodológica: expandir o dicionário de sinais que usamos para “ver” superfícies estelares não resolvidas. Não contamos com imagens diretas de TRAPPIST-1. Contamos com luz integrada e com a temporalidade dos eventos. Se erupções reorganizam o mosaico magnético, o pós-evento vira lâmina de contraste, realçando peças que estavam camufladas na textura geral. Isso dialoga com quem modela variabilidade estelar, com quem extrai composições atmosféricas de planetas e até com quem pensa em habitabilidade, porque espectros mais limpos reduzem incertezas cascata. 

Fica uma pergunta que não sai da cabeça: se o flare pode fazer “desaparecer” uma região escura, essa região sempre some de vez? A experiência solar sugere que muitas vezes é uma reconfiguração, não um sumiço total. A orientação do campo muda, a parte visível se transforma, e o padrão reaparece com o tempo. Em TRAPPIST-1, o método não resolve se a feição inteira se foi ou se foi “comida” pela borda. Mesmo assim, o sinal espectral e fotométrico pós-erupção é suficientemente específico para alimentar modelos. Isso já é um ganho enorme num sistema onde cruzar o espectro do planeta com a variabilidade da estrela virou quebra-cabeça. 

A estrela faz barulho, e a ciência usa o silêncio que vem depois para medir aquilo que estava escondido. Um clarão momentâneo abre uma janela térmica sobre regiões magnéticas frias, e o que parecia um incômodo para quem caça atmosferas planetárias vira ferramenta. TRAPPIST-1, tão observada, tão caprichosa, acabou oferecendo um atalho: quando os flares varrem parte do cenário, a luz residual revela a textura que precisamos conhecer para ler os planetas com mais nitidez. A estrada que se abre não fica limitada a essa anã vermelha. Outras estrelas frias também erguem e apagam regiões magnéticas. Agora temos um jeito simples de flagrar o “antes e depois” e transformar essa dança em dados úteis. 

Se você chegou até aqui, talvez esteja com a mesma sensação que acompanha quem olha a figura certa depois de muito ruído: os contornos aparecem. O pós-erupção, discreto e persistente, é um desses contornos. Ele reconcilia uma peça solar que já conhecemos – penumbras que desaparecem durante flares – com uma peça estelar que parecia inalcançável – o espectro de uma feição magnética numa anã M8. E, ao fazer isso, entrega um instrumento novo para depurar os sinais de mundos minúsculos que passam na frente da estrela. Quando o brilho volta a se estabilizar, ele está nos dizendo algo sobre a superfície. A partir de agora, vale a pena ouvir com atenção. 




Referência:

Valeriy Vasilyev, Nadiia Kostogryz, Alexander I. Shapiro, Astrid M. Veronig, Benjamin V. Rackham, Christoph Schirninger, Julien de Wit, Ward Howard, Jeff Valenti, Adina D. Feinstein, Olivia Lim, Sara Seager, Laurent Gizon, and Sami K. Solank - Flares on TRAPPIST-1 reveal the spectrum of magnetic features on its surface - TRAPPIST-1 é uma anã M8 que abriga sete exoplanetas conhecidos e, atualmente, é um dos alvos mais observados pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST). Contudo, é notoriamente ativa, e acredita-se que sua superfície seja coberta por estruturas magnéticas que contaminam os espectros de transmissão planetários. Para corrigir esses espectros de transmissão, é necessário conhecer os espectros radiativos dessas estruturas magnéticas — algo que, até o momento, permanece desconhecido. Neste trabalho, desenvolvemos uma nova abordagem para medir esses espectros utilizando observações temporais do JWST/NIRISS. Detectamos um aumento persistente no fluxo espectral de TRAPPIST-1 após um surto (flare). Nossa análise descarta a hipótese de que esse aumento seja causado por um decaimento prolongado do surto, indicando, assim, que ele se deve a mudanças estruturais na superfície estelar induzidas pelo evento. Propomos que o surto desencadeia o desaparecimento de (parte de) uma estrutura magnética escura, resultando em um aumento líquido de brilho. Essa hipótese é sustentada por dados solares: o desaparecimento de estruturas magnéticas na superfície do Sol, induzido por surtos, já foi detectado diretamente em imagens de alta resolução espacial, e nossa análise demonstra que esse processo provoca alterações no brilho solar muito semelhantes às que observamos em TRAPPIST-1. A explicação proposta para o aumento do fluxo possibilita, até onde sabemos, a primeira medição do espectro de uma estrutura magnética em uma anã M8. Nossa análise indica que essa estrutura magnética que desaparece é mais fria do que a fotosfera de TRAPPIST-1, mas em, no máximo, alguns poucos centenas de kelvins. https://arxiv.org/pdf/2508.04793

Emoções e dinâmica social

Emoções
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Vamos falar de um tema que todo mundo vive na pele, mas raramente nomeia com precisão: como as emoções de uma pessoa mudam por causa das outras. Você conta uma notícia ruim, alguém do seu lado fica tenso, um terceiro tenta “levantar o astral” com uma piada — e, de repente, o clima de todo mundo já não é mais o mesmo. Isso tem nome, tem lógica e tem caminhos previsíveis. A pergunta que guia este texto é simples: o que acontece, emocionalmente, quando não atuamos “direto no alvo”, e sim por meio de outras pessoas?

Vou apresentar os conceitos centrais, mostrar onde eles aparecem na vida real e por que valem para famílias, escolas, empresas, esportes e até política. E, aos poucos, reforçar um ponto-chave: nem sempre o jeito mais eficaz de mexer com a emoção de alguém é falar com essa pessoa, às vezes, a via mais curta passa por um terceiro.

O que é regulação emocional interpessoal?

Comecemos pelo básico. Regulação emocional (ou emotion regulation) é o conjunto de processos pelos quais ajustamos o que sentimos, quando sentimos e como expressamos o que sentimos. Quando faço isso comigo mesmo, respiro fundo, mudo o foco, conto até dez, estou na esfera intrapessoal. Quando tento alterar o estado emocional de outra pessoa — confortando, animando, provocando, esfriando uma discussão, entro na regulação emocional interpessoal (REI).

Dois termos ajudam a organizar essa cena: agente e alvo. O agente é quem inicia uma ação para mudar a emoção de alguém, o alvo é quem tem a emoção mudada. Parece óbvio, certo? Só que a vida social raramente é só uma via de mão dupla. Em boa parte das situações, existe um terceiro na jogada, alguém que não é o alvo final, mas que pode ser tocado primeiro para, então, influenciar o alvo. É aqui que a conversa ganha profundidade.

Tradicionalmente, discute-se REI pensando no agente atuando direto no alvo. Vou consolar meu amigo? Eu falo com ele, uso meus recursos e pronto. Chamemos isso de self-based: eu, agente, uso a mim mesmo como meio para regular o outro.

Agora, considere duas variações que ampliam a lente e fazem mais justiça à vida real:

Other-based direta: o agente muda a emoção do terceiro, e esse terceiro, por sua vez, muda a emoção do alvo. Pense no técnico de um time que, percebendo a equipe abatida, primeiro trabalha o humor do capitão; o capitão, mais confiante, “contamina” positivamente o vestiário.
    
Other-based indireta: o agente muda a emoção do terceiro, e só o fato de o alvo testemunhar essa mudança já altera o seu estado. Imagine a aluna que, vendo a professora nervosa, decide alegrar um colega ao lado; a professora observa a cena, relaxa, e o clima da turma melhora sem ninguém ter “falado com a professora”.
    
Repare na lógica:
não se trata apenas de “quem é o alvo”, mas de qual caminho emocional percorremos. A mesma intenção — melhorar ou piorar um estado afetivo — pode seguir rotas diferentes. E rotas diferentes exigem habilidades, timing e ética diferentes.

Outro conceito simples, que evita confusão, é o de valência emocional (se uma emoção é agradável/positiva ou desagradável/negativa). Nem sempre a valência que induzimos no terceiro é a mesma que desejamos no alvo. Um exemplo cotidiano: alguém compra um presente “generoso” para o filho, não para alegrá-lo, mas para irritar o ex-parceiro — que se sente ultrapassado ou sabotado. A valência sobe no terceiro (criança feliz), cai no alvo (ex-parceiro irritado). O oposto também ocorre: pressionar uma equipe pode, por vezes, agradar uma chefia que valoriza “rigor”, ainda que colegas fiquem tensos. Essas assimetrias mostram como as redes emocionais comportam trajetórias não lineares.

Quando alguém tenta regular a emoção de outra pessoa, há sempre um motivo. Três rótulos didáticos ajudam:

Hedônico: o objetivo é mexer com o sentir pelo sentir — fazer alguém se sentir bem, ou mal, independentemente de metas posteriores.
    
Instrumental: o foco é um resultado prático que depende de um estado emocional; por exemplo, animar a equipe para melhorar o desempenho, ou constranger um colega para que ele recue de uma decisão.
    
Altruísta: o alvo se beneficia, mesmo que o processo seja desconfortável no curto prazo; um pai pode induzir preocupação no outro cuidador por acreditar que isso protegerá o filho.
    
Perceba a sutileza: piorar a emoção de alguém não é automaticamente “maligno” se o foco for proteger no longo prazo, e melhorar a emoção de alguém pode ser usado de modo insincero para tirar vantagem. A motivação dá cor ética à estratégia.

A linha entre regulação emocional interpessoal e manipulação pode parecer tênue, mas há diferenças claras quando você olha com lupa.

Objeto final: na REI, o objetivo declarado da ação é mudar a experiência emocional do outro; na manipulação, a emoção é mais um meio para mudar comportamento em benefício do manipulador.
    
Valência permitida:
a REI inclui melhora e piora do afeto; abordagens de manipulação tendem a explorar sobretudo piora para obter controle.
    
Repertório:
a REI admite estratégias adaptativas, como escuta ativa, validação e reforço de vínculos; manipulação privilegia táticas de pressão, culpa e distorção.
    
Arquitetura social: a REI descreve com naturalidade interações triádicas (agente–terceiro–alvo); classificações clássicas de manipulação focam em díades.
    
Intencionalidade: a REI pode ser sincera (cooperativa ou altruísta); manipulação, por definição, carrega intenção insincera e conflito de interesses.
    
Isso não quer dizer que não haja sobreposição. Se o agente quer que o alvo se sinta culpado para obedecer, e usa um terceiro como amplificador, a fronteira fica borrada. A diferença volta a emergir quando perguntamos: qual é a meta explícita — a emoção em si, ou um comportamento instrumentalizado por ela?

Quatro condições aparecem com frequência:

Barreiras contextuais: o agente não tem acesso direto ao alvo no ambiente onde a emoção se dá. Pais não entram na sala de aula; líderes nem sempre estão no chão de fábrica. A ponte vira o terceiro que está lá.
    
Distância psicológica: pouca intimidade, baixa confiança ou assimetria de poder. Falar diretamente pode soar invasivo ou arriscado; usar alguém de confiança do alvo aumenta a chance de adesão.
    
Cálculo de eficácia: mesmo que o contato direto seja possível, o agente avalia que o terceiro tem mais impacto. Em equipes, o capitão fala a língua do vestiário como ninguém; em famílias, irmãos se influenciam mais em certas idades do que os pais.
    
Difusão de responsabilidade: em contextos sensíveis, o agente não quer aparecer como a fonte da mudança emocional. Isso pode ser prudência política… ou covardia.

Note como esse quarto item tem cheiro de risco ético. Voltaremos a ele.

Atuar via terceiro exige representar dois estados emocionais ao mesmo tempo e antecipar como um afeta o outro. Isso convoca Teoria da Mente de segunda e terceira ordem (capacidade de atribuir estados mentais do tipo “eu acho que ele pensa que ela sente…”). Quem tem boa empatia cognitiva (tomar a perspectiva do outro) costuma se sair melhor nesse xadrez social.

Do ponto de vista do desenvolvimento, crianças pequenas já discriminam emoções básicas, mas só mais tarde consolidam raciocínios em cadeia sobre o que um sente por causa do que o outro sentiu. É nessa faixa que surge, por exemplo, a agressão relacional mediada por terceiros (espalhar um rumor via um amigo) — um uso sombrio da mesma habilidade de pensar em triângulos.

Traços de personalidade também modulam preferências estratégicas. Pessoas muito afáveis tendem a evitar confronto direto e podem preferir rotas indiretas quando há risco de conflito. Quem pontua alto em neuroticismo (maior sensibilidade à punição e à ameaça) pode recorrer à rota via terceiro para evitar embates frontais e diluir responsabilidade. Extrovertidos gostam de agir diretamente, recorrem a terceiros quando barreiras impedem o contato ou quando o terceiro é claramente o melhor canal. E há o lado escuro: níveis altos de maquiavelismo predispondo ao uso frio de terceiros para fins próprios.

Condições clínicas também importam. Dificuldades de leitura de emoções e de perspectiva social — como as observadas em alguns quadros do espectro autista — podem tornar mais custoso executar estratégias que dependem de monitorar dois estados emocionais em paralelo. Transtornos de personalidade com desconfiança crônica e viés de intenção hostil aumentam o risco de leituras distorcidas e táticas que machucam.

A REI raramente acontece em um único gesto. Em muitos episódios, o processo começa porque alguém compartilha sua emoção (uma espécie de “pedido de ajuda” afetivo). O agente tenta uma via direta; se percebe pouca tração, engata a via via-terceiro; às vezes combina as duas em polirregulação — várias estratégias, em sequência ou simultaneamente.

Aqui mora um risco. Usar muitas estratégias sem critério não melhora, por si só, a regulação. O agente pode se desgastar: monitorar estados emocionais múltiplos, atuar por canais indiretos, “carregar” o clima do grupo… tudo isso custa energia mental. É saudável aprender a encerrar o processo: parar quando a emoção-alvo foi atingida, quando os custos ultrapassam os ganhos, ou quando se percebe que a leitura do estado do outro estava errada. Parece simples, mas como medir sucesso? O jeito prático é combinar sinais observáveis (o alvo ficou mais calmo? retomou tarefas? mudou a expressão?) com checagens breves e não invasivas (“como você está se sentindo com isso agora?”), sem transformar a conversa num interrogatório.

Exemplos concretos (com dilemas reais):

Família  
Um padrasto quer que a parceira, mãe da adolescente, sinta-se menos tensa com a rotina. Em vez de discutir diretamente com a parceira, ele investe em momentos positivos com a enteada — passeios, conversas, apoio nos estudos. A mãe observa a filha mais tranquila e, por tabela, relaxa. Motivo hedônico com benefício colateral? Talvez. Motivo instrumental visando harmonia doméstica? Também. E há casos em que alguém mexe no humor de um filho para ferir o ex-parceiro — uma triangulação que piora o afeto do alvo por vias indiretas. A mesma arquitetura, intenções opostas.

Escola  
Um aluno percebe a tensão da professora antes da prova. Ele sabe que falar “calma, vai dar certo” pode soar condescendente. Então faz outra coisa: puxa um colega ansioso para um exercício rápido de respiração e concentração; a professora nota a melhoria de clima e desarma um pouco. Rota indireta via terceiro, motivação cooperativa.

Trabalho  
Uma analista quer que o gerente aceite um plano. Há duas rotas: ela arma um “one-on-one” e tenta convencê-lo diretamente, ou decide primeiro engajar colegas-chave, melhorando a confiança e o humor deles, para que as reuniões subam de temperatura positiva. Há também o mau uso: um funcionário, ressentido, enfatiza injustiças numa roda, alimenta o mau humor do grupo e deixa a chefia sob pressão. E há o oportunismo político: animar o “funcionário do mês” em público para sinalizar ao diretor “olha como cuido do clima”, sem verdadeiro cuidado com o time.

Esportes  
Treinadores experientes não falam só com a equipe. Trabalham o capitão, o goleiro, o assistente. Em dias decisivos, às vezes o discurso mais transformador não sai do técnico, e sim do atleta que o grupo reconhece como bússola emocional. Regular via terceiro é reconhecer quem tem licença social para mexer no clima.

Relações amorosas  

No início de um namoro, gestos generosos na frente do parceiro — ajudar um estranho, elogiar discretamente um colega — influenciam como o parceiro se sente sobre você. O triângulo aqui é agente–terceiro–alvo, com efeito indireto e normalmente positivo. Já provocar ciúme ao ex exibindo fotos com amigos pode ser a versão tóxica dessa arquitetura.

Sociedade e política  
Infelizmente, a engenharia emocional via terceiros também está nas estratégias mais duras. Violência contra civis para pressionar governos explora uma cadeia afetiva onde o terceiro sofre para que o alvo mude de curso. Não há justificativa ética aqui; há, sim, uma estrutura emocional reconhecível que ajuda a entender por que certos atos, mesmo condenáveis, são escolhidos.

Se você gosta de método, dá para modelar essas redes. Em laboratório, tarefas de delegação avaliam motivações: o agente não pode falar com o alvo, só com um terceiro; o desenho manipula recompensas para distinguir altruísmo de egoísmo. No dia a dia, amostragem ecológica (check-ins breves pelo celular ao longo do dia) revela quando escolhemos a rota via terceiro, com quais custos e com que taxa de sucesso.

Tudo isso parece técnico, mas tem um propósito simples: descrever, prever e, quando preciso, intervir. Se mapeio que a rota via terceiro é sempre usada para evitar conversa difícil, posso treinar habilidade de diálogo direto. Se percebo que um supervisor vive terceirizando “pressão” para líderes de célula, cabe conversar sobre responsabilidade.

Como navegar esses triângulos sem escorregar para manipulação, abuso de poder ou covardia? Um conjunto curto de perguntas funciona como checklist:

Qual é a emoção-alvo? Defina em termos concretos: menos ansiedade? mais esperança? menos raiva?
    
Por que essa emoção e por quê agora? Se a justificativa é instrumental, seja explícito consigo mesmo.
    
Quem é o terceiro certo — e por quê? Ele tem vínculo, confiança e autonomia para dizer não?
    
Quais são os riscos para cada ponta do triângulo? Pense em efeitos colaterais: ciúme, exclusão, culpa.
    
Como saberei que é hora de parar? Defina sinais de suficiência e sinais de desgaste.

Em ambientes de liderança, um princípio ajuda: não terceirize dor que você mesmo não está disposto a suportar. Se a estratégia envolve pressionar alguém por vias indiretas, pergunte-se se você assumiria essa pressão de forma honesta, cara a cara. Se a resposta for não, é provável que você esteja apenas evitando responsabilidade.

Lá no início, eu disse que nem sempre o atalho para mudar uma emoção é “falar com quem sente”. Vale reforçar, agora por outro ângulo: em redes humanas, a credibilidade e a proximidade não são uniformes. A voz do capitão vale mais do que a do técnico em certas horas; o sorriso entre irmãos abre portas que sermões de pais não abrem; um colega respeitado acalma a equipe de um jeito que e-mails da gerência jamais conseguem. Reconhecer isso não é abdicar do diálogo direto; é escolher o canal certo para o objetivo certo, com responsabilidade.

Aplicando no dia a dia:

Famílias: se a conversa direta está travada, combine com quem a pessoa confia um gesto de cuidado observável. O alvo precisa “ver” a emoção do terceiro para sentir o efeito indireto. Evite usar filhos como mensageiros de recados conflituosos; crianças não são suportes de adultice.
    
Sala de aula: que tal formar “pares de apoio” para os minutos antes de provas? Alunos ajudam colegas a regular a ativação; docentes ganham um clima de base mais estável para começar.
    
Empresas: identifique pivôs emocionais — pessoas que modulam o humor coletivo. Treine essas pessoas em escuta, validação e feedback. Desaconselhe delegar bronca; prefira clareza direta e respeito.
    
Esportes: cultive rituais que passam pelo terceiro certo (o capitão, a veterana, o assistente). Rituais são atalhos emocionais que não dependem de discursos longos.
    
Você com você: antes de “mexer” com o clima via terceiros, pergunte se o que te move é cuidado ou conveniência. A resposta muda tudo.

Supor leitura perfeita de emoções:
vi um rosto neutro e chamei de “raiva”; atuei via terceiro e criei confusão. Vacina: perguntas curtas de checagem antes de agir.
    
Confundir cooperação com conluio: usar um terceiro para criar clima contra alguém corrói confiança. Vacina: mantenha intenção declarável — se você teria vergonha de revelar sua estratégia, ela provavelmente está errada.
    
Viciar na rota indireta:
sempre que há desconforto, você ergue um triângulo. Vacina: pratique conversas difíceis com tempo e regra de segurança (sem respostas imediatas, com opção de pausa).
    
Ignorar custo do provedor: quem regula o outro paga pedágio emocional. Vacina: rodízio de responsabilidades, pausas, supervisão, espaços de descarga afetiva.
    
Viver em sociedade é viver em redes de influência emocional. A REI mostra que não se trata só de “ajudar ou atrapalhar” sentimentos do outro; trata-se de desenhar caminhos por onde essas mudanças viajam. Há a rota direta, com sua honestidade e fricção; há as rotas via terceiros, com sua potência e suas tentações. Dominar esse mapa dá poder, mas um poder que pede cuidado: intenções claras, respeito às pessoas que compõem o triângulo, prontidão para parar quando a linha entre cuidado e manipulação começa a sumir.

Se você reparar, hoje mesmo verá esses triângulos em ação: um colega que anima o grupo para, de tabela, aliviar a chefia; um irmão que consola outro para acalmar um pai; um treinador que escolhe a atleta certa para acender o espírito do time. Diante disso, faça duas perguntas simples: qual emoção está em jogo? por qual caminho ela está viajando? Só de responder honestamente, você já começou a regular melhor.

 


Referências:

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Niven, K. (2017). The four key characteristics of interpersonal emotion regulation. — As quatro características-chave da regulação emocional interpessoal: sintetiza quatro propriedades centrais (agência, alvo, intenção e estratégia) para organizar pesquisas sobre como influenciamos emoções alheias e como medir esse processo com mais precisão. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28950980/

Nozaki, Y., & Mikolajczak, M. (2020). Extrinsic emotion regulation. — Regulação emocional extrínseca: revisão conceitual que define a regulação das emoções de outrem, mapeia benefícios e custos para quem regula e para o alvo, e discute quando e por que as pessoas escolhem intervenir no estado afetivo de outras. https://psycnet.apa.org/record/2020-03346-002

Netzer, L., Van Kleef, G. A., & Tamir, M. (2015). Interpersonal instrumental emotion regulation. — Regulação emocional instrumental interpessoal: examina situações em que mudamos emoções de outra pessoa para atingir metas práticas (por exemplo, desempenho, cooperação), mostrando quando isso é eficaz e os riscos éticos envolvidos. https://psycnet.apa.org/record/2015-10022-016

Overall, N. C., Fletcher, G. J., Simpson, J. A., & Sibley, C. G. (2009). Regulating partners in intimate relationships: The costs and benefits of different communication strategies. — Regular parceiros em relacionamentos íntimos: custos e benefícios de diferentes estratégias de comunicação: testa como táticas de “puxar para cima” ou “pressionar” o parceiro afetam satisfação, conflito e mudanças comportamentais ao longo do tempo. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19254108/

Campo, M., Sánchez, X., Ferrand, C., Rosnet, É., Friesen, A. P., & Lane, A. M. (2016). Interpersonal emotion regulation in team sport: Mechanisms and reasons to regulate teammates’ emotions examined. — Regulação emocional interpessoal no esporte de equipe: mecanismos e motivos para regular emoções de colegas: mapeia por que atletas tentam alterar o clima afetivo de companheiros (ex.: foco, confiança) e como fazem isso antes e durante competições. https://insight.cumbria.ac.uk/id/eprint/2050/1/Sanchez_InterpersonalEmotionRegulation.pdf

Cohen, N., & Arbel, R. (2020). On the benefits and costs of extrinsic emotion regulation to the provider: Toward a neurobehavioral model. — Sobre benefícios e custos da regulação emocional extrínseca para quem regula: rumo a um modelo neurocomportamental: propõe um quadro que integra recompensa/empatia e esforço/esgotamento, prevendo quando ajudar emocionalmente os outros energiza ou drena o provedor. https://psycnet.apa.org/record/2020-62451-002

Barclay, P. (2010). Altruism as a courtship display: Some effects of third-party generosity on audience perceptions. — Altruísmo como exibição de corte: efeitos da generosidade com terceiros na percepção da audiência: mostra que atos generosos diante de observadores elevam status e confiabilidade atribuídos ao agente, revelando uma via social de “sinalização” emocional. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19397845/

López-Pérez, B., Howells, L., & Gummerum, M. (2017). Cruel to be kind: Factors underlying altruistic efforts to worsen another person’s mood. — Cruel para ser gentil: fatores por trás de esforços altruístas para piorar o humor de alguém: demonstra quando pessoas, por cuidado, induzem sentimentos negativos de curto prazo (p. ex., culpa, preocupação) visando um bem maior para o alvo. https://pearl.plymouth.ac.uk/cgi/viewcontent.cgi?article=1779&context=psy-research

López-Pérez, B., Wilson, E., Dellaria, G., & Gummerum, M. (2016). Developmental differences in children’s interpersonal emotion regulation. — Diferenças desenvolvimentais na regulação emocional interpessoal de crianças: documenta como crianças de idades distintas tentam mudar emoções de colegas, e como compreensão emocional e linguagem preveem o repertório usado. https://psycnet.apa.org/record/2016-35457-001

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