E se a lâmpada do seu quarto não servisse só para iluminar, mas também para mandar internet para o seu notebook e, de quebra, alimentar pequenos sensores espalhados pela casa? Para um grupo de pesquisadores da Universidade de Oulu, na Finlândia, essa ideia não é ficção científica: é um possível próximo passo para o jeito como usamos o próprio conceito de “luz artificial”.
O ponto de partida é simples e, ao mesmo tempo, bem provocador: tratar a iluminação que já existe em casas, escritórios, hospitais e fábricas como uma espécie de “super infraestrutura” universal. Em vez de apenas acender o ambiente, essas luzes poderiam transmitir dados e fornecer energia para dispositivos compactos. Esse é o foco do projeto SUPERIOT, liderado pelo pesquisador Marcos Katz, que estuda tecnologias de comunicação de próxima geração e tenta reaproveitar o que já está espalhado pelas cidades de um jeito novo.
Quando a lâmpada vira canal de dados
Quem vive em áreas urbanas praticamente não escapa da luz artificial. Ela está nas luminárias da sala, nos escritórios com telhas de gesso e lâmpadas embutidas, nos corredores de hospitais, nos galpões industriais. Os pesquisadores lembram que, até a metade da próxima década, a maior parte dessa iluminação interna deve ser feita com LEDs brancos, que são fáceis de controlar eletronicamente e conseguem mudar de intensidade muito rápido.
Esse detalhe técnico abre uma porta interessante. Um LED consegue piscar em velocidades tão altas que o olho humano enxerga um brilho estável, contínuo. Mas, para um sensor, essas microvariações podem ser lidas como zeros e uns, ou seja, como informação. A ideia central do projeto é justamente explorar isso: usar a mesma energia elétrica que alimenta a lâmpada para criar um canal de comunicação de alta velocidade.
Em vez de apenas iluminar a mesa, o teto do escritório vira um grande “roteador” de luz. À primeira vista, parece estranho pensar em internet vinda da lâmpada, mas o princípio é parecido com o do Wi-Fi, só que usando luz visível no lugar de ondas de rádio.
Como funciona a comunicação por luz visível
A equipe de Katz trabalha com o que se chama de comunicação por luz visível. Em vez de antenas emitindo rádio, o papel de transmissor fica com a própria lâmpada de LED. Ela faz mudanças muito rápidas na intensidade da luz, imperceptíveis para quem está no ambiente, mas claras para um receptor, como o sensor de um smartphone ou de um notebook.
Do ponto de vista do usuário, a experiência é banal: o ambiente continua iluminado, nenhum brilho estranho aparece. Mas, por trás disso, o aparelho traduz essas variações em fluxo de dados — páginas da web, vídeos, mensagens. Para a transmissão no sentido contrário, do dispositivo para a infraestrutura, os pesquisadores estudam o uso de comprimentos de onda invisíveis, como o infravermelho. Assim, não surgem flashes incômodos na tela ou no próprio aparelho.
Um jeito de visualizar é imaginar a lâmpada como alguém falando muito rápido em código Morse, só que num ritmo tão acelerado que você só vê uma luz constante. O computador, por outro lado, “escuta” cada pequeno pulso.
Onde a luz pode ser melhor que o Wi-Fi
Por que se dar ao trabalho, se o Wi-Fi já resolve tanta coisa? Os cientistas apontam situações em que ondas de rádio podem ser problemáticas: ambientes cheios de equipamentos sensíveis, como hospitais, plantas industriais e até cabines de avião. Nesses contextos, a luz pode oferecer um caminho paralelo para transmissão de dados, evitando interferências indesejadas.
Há também um aspecto de confidencialidade. O feixe de luz não atravessa paredes como um sinal de rádio. Para interceptar a comunicação, seria preciso estar dentro do espaço iluminado, sob a mesma lâmpada. Isso reduz a área de exposição do sinal e pode tornar certos tipos de acesso não autorizado bem mais difíceis.
Essa característica levanta uma pergunta interessante: e se parte da segurança digital do futuro vier, literalmente, da maneira como um cômodo é iluminado?
As limitações dessa nova “internet pela lâmpada”
Esse cenário promissor não vem sem obstáculos. Para começar, transmissor e receptor precisam “se enxergar”. Se algo cobre o sensor do celular ou se o aparelho é colocado numa posição em que não recebe diretamente a luz, a qualidade da conexão cai ou some de vez. Nesse ponto, o dispositivo volta automaticamente para o canal tradicional de rádio, como Wi-Fi ou 4G/5G.
Outra limitação é mais óbvia: sem luz artificial, não há canal de dados. Em ambientes que dependem majoritariamente de iluminação natural, como áreas externas durante o dia, essa forma de comunicação perde sentido. A tecnologia, então, se encaixa melhor em contextos controlados, fechados, onde a iluminação já é, de qualquer forma, indispensável.
Esse equilíbrio entre vantagens e restrições faz parte da própria natureza da proposta: não se trata de substituir tudo o que existe, mas de somar mais uma camada às redes de comunicação.
Quando a luz também vira tomada
O projeto SUPERIOT não se limita à transmissão de dados. Os pesquisadores querem explorar também o papel da iluminação como fonte de energia para pequenos dispositivos. Em visões de “cidades do futuro”, imagina-se um número crescente de sensores espalhados pelos ambientes, coletando dados sobre temperatura, qualidade do ar, ocupação de salas, entre outros pontos, sem exigir manutenção constante.
Para alimentar esses sensores, entram em cena minúsculas células solares capazes de aproveitar a própria luz do ambiente, não só a luz do sol que entra pela janela. Em vez de pilhas e baterias que precisam ser trocadas e geram descarte, os dispositivos podem funcionar com a energia que já está sendo gasta para iluminar o local.
Ao mesmo tempo, o grupo trabalha com eletrônica impressa: componentes feitos em superfícies finas, como se fossem etiquetas, e produzidos por processos parecidos com impressão. A ideia é diminuir o uso de materiais raros e caminhar para dispositivos tão discretos que cabem numa lâmina do tamanho de um cartão de banco.
Etiquetas inteligentes que quase somem no ambiente
Essas “etiquetas eletrônicas” podem atuar como sensores em diferentes cenários. Dentro de um prédio, por exemplo, elas monitoram umidade e temperatura de salas, ajudando a ajustar automaticamente a ventilação ou o ar-condicionado. Em embalagens de alimentos, podem atualizar dados sobre o estado do produto em tempo quase real.
Na área da saúde, protótipos de sensores impressos já são pensados para tarefas como rastrear a localização de equipamentos hospitalares, registrar deslocamentos de equipes e acompanhar o estado de pacientes. Em situações críticas, um sensor colado na roupa ou na cama poderia enviar um alerta imediato se detectar uma queda ou uma mudança brusca de temperatura corporal.
Tudo isso parte da mesma lógica: aproveitar o que já existe — a luz do ambiente, as superfícies disponíveis, a infraestrutura atual — para distribuir inteligência e conectividade de forma mais discreta e menos dependente de grandes intervenções físicas.
Um futuro iluminado, mas com pés no chão
Ao olhar para lâmpadas como potenciais pontos de acesso à rede e fontes de energia para dispositivos minúsculos, os pesquisadores de Oulu convidam a repensar o que entendemos como “infraestrutura”. A mesma luz que hoje só acende o corredor pode, num cenário próximo, transportar dados e alimentar sensores quase invisíveis.
Essa visão não elimina a necessidade de outras tecnologias, nem resolve todos os problemas de conectividade e sustentabilidade de uma vez. Ela aponta, porém, para um caminho de uso mais esperto do que já está aí: menos cabos novos, menos baterias descartadas, mais funções concentradas em elementos cotidianos. A questão que fica é como equilibrar essas possibilidades com as limitações físicas e práticas, para que o futuro “iluminado” da internet das coisas seja não só tecnicamente engenhoso, mas também sensato e bem pensado.
Referências:
The future LED light both illuminates and communicates - https://www.oulu.fi/en/news/future-led-light-both-illuminates-and-communicates
SUPERIOT-Truly Sustainable Printed Electronics-based IoT Combining Optical and Radio Wireless Technologies - https://superiot.eu/
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