
Há alguns anos, ter um gravador de DVD — ou até um combo leitor de Blu-ray — era praticamente item obrigatório em qualquer computador. Hoje, a realidade virou do avesso: notebooks e desktops modernos quase nunca trazem unidade óptica, o preço por gigabyte de HDD e SSD despencou, e os fluxos de trabalho de backup migraram para HDs externos, NAS e nuvem. No seu caso, faz todo sentido ter desistido de comprar um gravador Blu-ray USB e investir num HDD: é mais barato no médio prazo, mais rápido e muito mais prático.
Abaixo, explico por quê, comparo custo/benefício, comento cenários onde DVD/Blu-ray ainda têm lugar (são poucos), e dou um roteiro bem objetivo para você montar um esquema de backups consistente — incluindo um “home server” com TrueNAS e serviços caseiros ao estilo “Google Drive/Spotify/Netflix doméstico”.
1) Custo por gigabyte: óptico não consegue mais competir
O fator mais decisivo é o custo por gigabyte. Mesmo que a mídia Blu-ray “de balcão” pareça barata por unidade, o cálculo muda quando você multiplica pela capacidade e inclui o gravador:
Mídia Blu-ray “comum” (BD-R 25 GB): você paga uma quantia por disco e leva apenas 25 GB. Para ter 1 TB de backup, seriam necessários 40 discos. Além de custoso, é trabalhoso e demorado.
BD-R 50/100 GB: aumentam a capacidade, mas também o preço por disco. E mídias de 100 GB (BD-R XL) exigem gravadores e compatibilidade que encarecem o setup. No final, o custo por TB segue pouco competitivo.
Gravador Blu-ray USB: além do preço do equipamento, há a manutenção e a incerteza de compatibilidade/drivers ao longo dos anos.
Compare isso a um HDD de 4–8 TB: você paga uma vez, pluga via USB, e resolve anos de backup com um dispositivo. E consegue reaproveitar, substituir, migrar dados, verificar integridade… sem montar “coleções” de discos.
2) Capacidade e escalabilidade: HD (e SSD) ganham de lavada
Backup cresce. Fotos, vídeos, bibliotecas de jogos, projetos e máquinas virtuais somam rapidamente centenas de gigabytes. Manter isso em pilhas de mídia óptica vira gambiarra:
HDDs oferecem 2, 4, 8, 12 TB (ou mais) num único volume. Você não precisa fazer gerenciamento de dezenas de discos físicos.
SSDs caíram de preço e são excelentes para dados “quentes” (trabalho diário), embora, no custo por GB, os HDDs ainda sejam a opção econômica para “arquivo”.
Essa escalabilidade também significa menos tempo de administração. Com um NAS/TrueNAS, você ajusta o pool de armazenamento, adiciona discos, faz snapshots e deixa as rotinas automáticas cuidarem de tudo.
3) Velocidade e conveniência: backup sem sofrimento
Gravar um BD-R de 25 GB a 6× ou 8× leva tempo. E você ainda precisa verificar a gravação, rotular, armazenar, organizar, achar depois… Em HDD/SSD, copiar 25 GB é questão de minutos — e automatizável:
Backups incrementais diários, semanais e mensais rodando sozinhos.
Verificação de integridade por checksums, ZFS scrubs, logs e alertas.
Restauração granular (um arquivo, uma pasta) sem ficar caçando o disco correto.
No mundo real, backup que dá trabalho acaba sendo negligenciado. GANHA quem tem um fluxo simples e automático.
4) Confiabilidade e durabilidade: nuances importantes
Há um mito de que “CD/DVD/Blu-ray duram para sempre”. Não é bem assim. Há fatores como qualidade da mídia, condições de armazenamento (umidade, calor, luz), camada orgânica da tinta (em discos graváveis), além do risco de bit rot (degradação de dados ao longo do tempo). Existem mídias especiais como M-DISC, que prometem durabilidade muito maior, mas custam mais e ainda exigem unidades compatíveis. Mesmo nesses casos:
Você depende de leitores que talvez não existam daqui a 10–15 anos. Hoje já é difícil achar drive confiável em lojas comuns.
HDD/SSD + verificação + múltiplas cópias é a abordagem mais realista. HDDs não são eternos, mas, com monitoramento SMART, rotação de mídias e redundância, você mitiga a maioria dos riscos.
Em curadoria e preservação digital séria, ninguém confia em um único meio físico. O que funciona é estratégia (ver adiante a regra 3-2-1).
5) Compatibilidade e futuro: óptico está saindo de cena
Seu relato resume a tendência: o último notebook com drive estragou, consertar não compensou, e os novos já vêm sem. O mercado descontinuou o padrão. Isso significa:
Menos softwares atualizados voltados a gravação, menos drives no varejo, menos suporte técnico.
Trocar arquivos por nuvem, NAS, pendrive virou o padrão universal; mídia óptica virou exceção.
Você pode até manter um gravador USB “para emergências”. Mas como solução principal de backup, é remar contra a maré — tanto técnica quanto econômica.
6) Onde DVD/Blu-ray ainda faz sentido (os poucos casos)
Nem tudo é preto no branco. Há usos específicos em que a mídia óptica pode ser útil:
Consoles antigos (PS2/PS3): para gravar mídias compatíveis, mods, preservação de jogos em formato físico etc. Mesmo assim, muita gente migrou para storage via rede ou cartões/SSD conforme o console permite.
Entrega física e imutável: quando você precisa “carimbar” um conjunto de arquivos para terceiros sem risco de alteração (por exigência jurídica ou contratual). Entretanto, hoje pendrives lacrados e assinatura digital resolvem melhor.
Arquivamento frio de longo prazo (com M-DISC): se você precisa guardar um conjunto pequeno e estático de dados por décadas e quer um terceiro pilar além de HDD + nuvem. Ainda assim, faça verificação periódica e mantenha um leitor funcional guardado.
Colecionismo e mídia física: filmes, shows e edições especiais. Aí é estética/coleção, não backup.
Se você não está em nenhum desses cenários, HDD/SSD e NAS vencem.
7) “Home server” com TrueNAS: seu “Google Drive/Spotify/Netflix caseiro”
Se a ideia é parar de depender de mídia óptica e montar um ecossistema em casa, o TrueNAS (ou alternativas como Unraid, OpenMediaVault) é o caminho natural:
ZFS (no TrueNAS) traz snapshots, scrubs, checksums end-to-end, compressão transparente e replicação. Isso reduz corrupção silenciosa e facilita voltar no tempo.
Compartilhamento via SMB/NFS/AFP/FTP/WebDAV: monte seu “Google Drive caseiro” acessível na rede local e, se quiser, pela internet (com bastante cuidado de segurança).
Jails/Containers/Apps: Plex/Jellyfin (sua “Netflix caseira”), Navidrome/koel (sua “Spotify caseira”), Nextcloud (drive/agenda/contatos), Photoprism/Immich (galeria de fotos com IA), Transmission/qBittorrent, etc.
Automação de backup: com Borg/Restic, rsync, rclone, Sanoid/Syncoid (snapshots e replicação ZFS), você agenda tarefas e esquece.
Dicas práticas para esse setup
Discos em pares ou vdevs redundantes (espelhamento/RAID-Z). Lembre: RAID não é backup, é disponibilidade. O backup é outra cópia, separada.
No-break (UPS): ZFS gosta de desligamentos limpos. Um UPS evita corrupção por queda de energia.
SMART + e-mail/Telegram de alerta: falha preditiva? Troque o disco antes de perder dados.
Snapshots frequentes: por exemplo, de hora em hora por 48 h, diários por 30 dias, semanais por 3 meses, mensais por 1 ano.
8) Estratégia de backup que funciona (regra 3-2-1)
A regra de ouro, simples e eficaz:
3 cópias dos seus dados (o original + 2 backups).
Em 2 tipos diferentes de mídia (por exemplo, HDD local e nuvem/NAS).
1 cópia off-site (fora de casa), para desastres físicos (roubo, incêndio, inundação).
Como aplicar no dia a dia:
Cópia 1 (local, rápida): HDD externo USB sempre por perto, atualizado com um software de backup (Time Machine, Veeam Agent, Acronis, Duplicati, Borg/Restic).
Cópia 2 (NAS/TrueNAS): sincronização contínua das pastas principais, com snapshots e scrubs.
Cópia 3 (off-site): pode ser nuvem (Backblaze B2, Wasabi, S3, Google Drive, OneDrive) via rclone/Restic/Borg, ou um HDD rotativo guardado na casa de um parente e trocado mensalmente.
Se quiser um “4º pilar”, aí sim M-DISC pode entrar para um conjunto pequeno e valioso (documentos essenciais, chaves, fotos selecionadas). Mas trate como redundância extra, não como pilar principal.
9) Ferramentas e práticas que fazem diferença
Verificação por checksum (hash): garanta que o arquivo copiado é idêntico ao original (md5/sha256). Em ZFS, isso já é embutido.
Criptografia: para HDDs externos e nuvem, use VeraCrypt/BitLocker/FileVault/LUKS. Em ZFS, ative encryption at rest nos datasets.
Backups incrementais e agendados: nada de lembrar “na mão”. Agende (cron/timers) e receba relatórios.
Testes de restauração: de tempos em tempos, restaure um conjunto de arquivos para validar o processo.
Organização: padronize nomes de pastas (ex.: 2025-Projetos/Nome-Projeto), datas (ISO: YYYY-MM-DD) e uma política mínima de arquivamento. Um backup bagunçado vira dor de cabeça na hora H.
10) E se eu insistir no Blu-ray para alguns backups?
Se por algum motivo você quiser manter uma “aba” no Blu-ray, dá para minimizar riscos:
Prefira mídia de qualidade (fabricantes e linhas reconhecidas; para longevidade, avalie M-DISC).
Use gravador confiável e, se possível, com suporte a verificação pós-gravação (compare checksum do conteúdo).
Escolha corretamente BD-R vs BD-RE: BD-R (gravável uma vez) é mais estável que regravável para arquivamento. BD-RE pode ser útil para testes/rotinas temporárias.
Evite “span” manual de grandes volumes: não divida um backup gigante em dezenas de discos. Prefira criar conjuntos lógicos pequenos (ex.: documentos essenciais, álbuns de família curados).
Armazene direito: caixa fechada, ambiente seco e fresco, longe de luz solar. Rotule com caneta adequada (nunca marcadores agressivos).
Mantenha um leitor sobressalente: guarde o gravador USB e teste a leitura anualmente para não descobrir na hora errada que o hardware morreu.
Ainda assim, reforço: para backups sérios e rotineiros, você vai gastar menos tempo, dinheiro e paciência com HDD/SSD + NAS + nuvem.
11) Quanto custa “na vida real”?
Sem entrar em preços exatos (mudam o tempo todo), o panorama típico é:
HDDs externos têm custo por TB muito baixo e capacidade alta. Comprar dois (ou três) para rotação/espelhamento sai mais barato do que montar um “arsenal” de Blu-ray.
SSD SATA/NVMe é mais caro por GB, mas compensa em desempenho para dados de trabalho, VMs e catálogos que você acessa toda hora.
NAS/TrueNAS envolve investimento inicial (placa, CPU, RAM, gabinete, discos), mas entrega centralização, redundância e automação que economizam anos de dor de cabeça.
Nuvem tem custo mensal, mas serve como off-site de fácil acesso e escalabilidade imediata.
Na hora de economizar, lembre: tempo também é custo. Gravar, testar, etiquetar e guardar 40 discos para fechar 1 TB cobra um preço em horas de vida que você não recupera.
12) O caminho recomendado (passo a passo pragmático)
Defina o que é crítico: documentos pessoais, fotos de família, projetos de trabalho, chaves e senhas (use um gerenciador com exportação segura).
Faça um inventário rápido de tamanho: quantos GB/TB você realmente precisa proteger hoje? E o que pode ir para arquivo frio?
Compre 2 HDDs externos (mesma capacidade): um fica local, outro você usa em rotação (vai para a casa de um parente/armário no trabalho). Se tiver um NAS/TrueNAS, ele já é a segunda camada local.
Automatize:
No PC: agende backup incremental diário (Duplicati, Veeam Agent, Acronis, Time Machine, Borg/Restic).
No TrueNAS: ative snapshots e scrubs; se possível, replicação para outro destino (outro NAS/HDD).
Criptografe os HDDs externos, especialmente o off-site.
Adote nuvem para a pasta “crítica” (documentos e fotos insubstituíveis). Use rclone/Restic/Borg para sincronizar.
Teste restauração a cada trimestre. Abra arquivos, verifique checksums.
Opcional: para um conjunto mínimo e “sagrado” (por exemplo, scans de documentos, chaves, árvore genealógica), grave 1–2 discos M-DISC como cópia extra. Guarde bem. É redundância, não pilar.
13) Respondendo às dúvidas que você levantou
“Pensei em comprar um gravador Blu-ray USB para alguns backups, mas desisti.” Decisão sensata. Pelo custo total (drive + mídias) e pela dor operacional, HDD ganha com folga.
“O disco custa 5 a 10 reais e tem só 25 GB.” O número já mostra a ineficiência: o preço por TB explode quando você multiplica por dezenas de discos.
“Prefiro comprar um HDD para fazer backup.” Correto. Melhor ainda: dois HDDs (um local + um off-site), ou um HDD + nuvem.
“Só compensa gravar para PS2/PS3 ou coisa bem específica.” Exato. E mesmo nesses casos, hoje existem soluções por rede/cartão/SSD que reduzem a necessidade de mídia.
14) Segurança e ransomware: não esqueça do “air-gap”
Além de redundância, pense em segmentação:
Tenha pelo menos uma cópia desconectada (air-gapped). Um HDD que fica a maior parte do tempo fora da USB é imune a ataques ativos e a erros humanos.
Se expor seus serviços do TrueNAS na internet, use VPN, autenticação forte, atualizações em dia e mínimo de portas abertas. Exposição ingênua é convite a ransomware.
15) Conclusão: backup é estratégia, não mídia
No fim, não é sobre o “charme” do Blu-ray ou a nostalgia dos DVDs — é sobre probabilidade de recuperar seus dados quando mais precisar. Para isso, você precisa de:
Camadas (HDD local, NAS, nuvem/off-site);
Automação (agendamentos, snapshots, verificações);
Integridade (checksums, scrubs, testes de restauração);
Segurança (criptografia, air-gap, boas práticas de rede).
A mídia óptica, hoje, é ferramenta de nicho: serve para casos muito específicos, colecionismo ou como redundância adicional de pequenos conjuntos estáticos. Para todo o resto — especialmente backup do dia a dia — HDD/SSD e um home server com TrueNAS (ou equivalente) entregam um pacote incomparável de custo, performance e praticidade.
Se é para investir, faça como você concluiu: compre um bom HDD (ou dois), monte um esquema 3-2-1, e — se quiser dar um passo além — configure um TrueNAS com snapshots e replicação. Assim você tem, de fato, um “Google Drive/Spotify/Netflix caseiro” e, o mais importante, dorme tranquilo sabendo que o seu backup não depende de torcer para que “aquele disco 27” esteja legível na hora do aperto.